11.4.08

Borrifadores e Golos

imagem: google
Não sei bem porquê (deve ser desta coisa toda dos professores e agressões e alunos e sei lá o quê), mas tenho andado a pensar nos meus dias de escola… Escola mas escola a sério. Ou seja, até mais ou menos o 6º ano. Onde estudei, a escola primária é considerada até ao 6º ano. Em cada ano, tinha-se uma sala, uma turma, um professor/a. Só a partir do 7º ano (quando se mudava de escola para a escola secundária) é que se passava a ter aulas em regime de períodos… uma aula aqui, outra ali… professores diferentes para todas as disciplinas. Era um stress. As turmas mudavam de ano para ano. Ou seja, de entre todas as turmas de um determinado ano, eram feitas novas turmas para que os alunos não estivessem sempre dentro do mesmo ambiente. Mudava-se de colegas, amigos, tudo. Mas era normal e aceite. O maior stress mesmo era saber com que professor ou professora se tinha ficado. Lembro-me particularmente da minha professora da 3ª classe e do meu professor do 5º ano. A da 3ª classe tinha reputação de ser má. De ser muito exigente. Era de origem Italiana. Eu adorei-a. Lembro-me dos vestidos que ela usava e dos saltos altos. Andava sempre toda arranjada, tinha um ar quase magistral. Não era bonita, aliás, pelo contrário. Tinha uma bocarra que metia medo! Mas eu adorava-a. Quando era preciso ir à secretaria da escola fazer alguma coisa, era sempre a mim que mandava. A partir de certa altura, já as senhoras da secretaria sabiam a que turma eu pertencia… Já nem perguntavam. Uma vez disseram-me isso. Que sabiam a que turma pertencia por isso não precisava identificar-me ou dizer o assunto. Já sabiam o meu nome e tudo. Aquela responsabilidade extrapolou para a turma. Como era um dos alunos que ia tratar de coisas (papeladas, pedidos disto e daquilo, recados, etc… coisas simples), sentíamos que tínhamos um papel a desempenhar no meio daquilo tudo. Era um espectáculo.
O professor do 5º ano. Ahhh…. Esse era pura e simplesmente temido. Ouviam-se histórias inacreditáveis. Tínhamos medo dele. Era grande. Muito alto. Era feio. Tinha cabelo esquisito, sempre espetado. Nariz enorme. Falava alto. Espumava da boca. Era magro. Vestia-se de forma desportiva, como quem ia mesmo trabalhar para um daqueles trabalhos que sujam. Foi o melhor professor que alguma vez tive na vida. Era rigoroso. Justo. Honesto. Compreensivo. Exigente. Ríspido. Coerente. Simpático. Divertido. Antes do início de cada período de aulas (depois dos intervalos), tínhamos de fazer duas filas à porta da sala para podermos entrar. Filas direitinhas. Sem barulho. Nada. As salas eram tipo pavilhões com coberturas entre elas mas onde podia chover ou bater o sol. E não, qualquer semelhança com os pré-fabricados Portugueses é pura fantasia. Qualquer imagem que possam ter construído está errada. Acreditem. E então, antes de entrarmos, o professor fazia-nos perguntas. Quem acertava podia entrar, quem errava passava para o final da fila. Quando estava muito frio ou muito calor, éramos todos muito mais espertos e inteligentes. Mas mesmo em dias bons, queríamos sempre entrar sem ter que ir para o final da fila. Eram perguntas de matemática… contas… ou simplesmente sobre matéria que estivéssemos a dar. Lembro-me que em dias muito quentes ele tinha sempre um daqueles borrifadores com água que usava para nos refrescar a cara quando acertávamos nas respostas. Era fantástico. Normalmente depois de almoço, tínhamos meia hora para lermos o nosso livro (todos tínhamos livros para ler, escolhidos por nós, fornecidos pela escola através da biblioteca). O silêncio era absoluto. Novamente, nos dias quentes, ele ia passando pela turma e aos alunos que via estarem a ler mesmo, borrifava-nos a parte de trás do pescoço. Era, simultaneamente, um prémio por estarmos a fazer o que devíamos e uma acção de simpatia pelo calor que sabia sentirmos. Era bom. Era fantástico. Quando era “mau” connosco, explicava porquê. Era justo. Não tínhamos o pior aluno da turma. Ninguém era o pior. Havia os melhores em termos de notas, mas em termos de comportamento, até os mais ariscos se portavam bem e tinham bons resultados. Lembro-me nitidamente dele, sentado à mesa, pés esticados em cima da mesma, a ler para nós (isso também havia… um livro escolhido por ele e lido em voz alta para todos). Era muito bom.
Lembro-me de uma vez termos sido premiados com um jogo de bola durante o período de aulas. Todos nas salas e nós no campo de futebol a jogar à bola com o professor. Lembro-me que nesse dia tinha ficado eu como guarda-redes. Depois de ter apanhado a bola, peguei nela e dei uns quantos passos atrás para ganhar balanço para a atirar de novo para o campo. De repente, ouço-o a apitar e a gritar “Goooolo!” Ficámos todos a olhar. Ninguém tinha marcado golo. Voltei a fazer o mesmo e novamente apito e grito de golo. “2-Zero!” Lá percebi que era eu que, ao andar para trás, ia entrando na minha própria baliza, logo, marcando supostos golos. Ri-me. Ele sorriu-me e continuamos com o jogo. A pontuação não foi alterada e ninguém se chateou. Foi o melhor professor que alguma vez tive na vida.

3 comentários:

Me disse...

Virus e coisas assim não valem... Lixo!

VF disse...

Muito bom texto.

O professor que mais me marcou foi o Albertino, e chamo-o por esse nome porque ficou amigo. Foi meu professor e filosofia do 10 ao 12 ano...
No 10 ano lembro-me eramos inimigos, ele não gostava de baldas, eu não gostava de estudar mais do que era necessário para tirar o 10, o 10 era suficiente, e ele repetia que quem se contenta com o suficiente, nunca passa do pouco.
no 11 ano eu estava já mais velho, mas continuava baldas. Mas nessa altura eu já me envolvia nas discussões, já não tinha aquele mundo proprio em que habitava no ano anterior... e passamos de inimigos a indiferentes.
No último ano, nunca deixando de ser baldas, estava em vários projectos ao mesmo tempo, ele valorizava esse aspecto, porque afinal envolver-me em várias coisas não fazia de mim melhor aluno, mas fazia de mim melhor pessoa, como ele próprio disse uma vez!
Chegamos a fazer teatro juntos, e acabamos esses três anos a beber imperiais como amigos, a falar da vida, das coisas e do mundo... a fazer filosofia como ele dizia.
Lembro-me que no último dia de aulas ele me disse que eu não devia ser tão egoísta, que devia partilhar o meu mundo com outras pessoas... nunca percebi o que ele queria dizer com isso, até que um dia consegui dizer o que pensava sem pensar no que os outros iriam julgar.

O Albertino era um tipo porreiro!

Olha miúda, obrigado por me fazeres recordar estes tempos!

Me disse...

Oh, Vítaro, obrigada eu. O teu comentário fez-me lembrar mais. Tenho muitas saudades daqueles tempos. Muitas mesmo. Homesick. É quase isso. Homesick.
Bolas. E antes que me emocione para aqui em frente ao pessoal, vou recordar os maus tempos...
Obrigada, Miúdo, por compreenderes esta coisa toda. Tu não és bem egoista nem frio. Precisas é de um bom borrifador de vez em quando. Todos precisamos. Venha ele sob a forma de professores de filosofia ou não.
Bjs.