28.10.11

Bom dia, Felicidade.

imagem: google (e, já agora... eu sei onde ela está!!)

Por motivos profissionais, todos os dias, bem cedo, visito uma empresa onde depois me armo em profissional e lá faço umas coisas engraçadas.
A Recepcionista chama-se Felicidade.
Chego lá e digo “Bom dia, Felicidade”.
E ela responde-me com outro “bom dia”.
E depois, de vez em quando, tomo café e lá está ela e lá converso um pouco com a Felicidade.
Quando me vou embora, digo “Até amanhã, Felicidade”. E ela responde-me com outro “até amanhã” e sorri-me.
E eu lá deixo a Felicidade a atender os telefones (“Bom dia. Fala a Felicidade. Em que posso ajudar?”) e penso em como é bom dar os bons dias à Felicidade e em como deve ser bom para quem para lá telefona tê-la a oferecer ajuda.
Muito bom. 

26.10.11

Obrigadinha!!


O meu enorme e sincero agradecimento a este senhor por o seu site, na versão inglesa, permitir o registo perfeito de Outra Merda Qualquer.
(Perceberam, certo?)

E era suposto...


imagem: google

E era suposto o emprego ser o mais fantástico e compensador do mundo. O mais perfeito dos palcos para a correcta e devidamente reconhecida execução e aplicação de tudo quanto fosse talento inato, génio mascarado e capacidade extraordinária.
E os patrões seriam sempre seres visionários frente dos quais nos ajoelharíamos, feitos parvos e encolhidos perante a grandeza daquela entidade que, certo abençoado dia, lá decidiu dar oportunidade e gordo e rechonchudo ordenado a quem assim o merecesse – nós, claro está.
E o dinheiro daria para tardes nas compras e noites nos restaurantes e fins-de-semana em estalagens e hotéis à beira mar plantados.
E as viagens seriam feitas no mais lindo dos carritos, daqueles que são simultaneamente lindos e bons e fashion e maneirinhos e que, ainda por cima, seriam a nossa cara, mesmo ao nosso estilo.
E o amor seria algo de estupidamente belo, magnificamente arrebatador, cheio de tudo quanto nos fizesse pular e sorrir e rir e dar graças aos santinhos e ver borboletas por todo o lado. Seria, de facto, algo de tão bom, tão bom, tão bom que todos os médicos o receitariam devido às suas capacidades de regenerar células cerebrais, fazer crescer músculo e reduzir tecido adiposo. Seria o melhor dos remédios, a melhor das drogas. Seria o centro do mundo, do universo, de tudo. Nada mais existiria na presença do amor. Seria senhor soberano, capaz de transformar dor em prazer, mágoa em satisfação, a noite no dia, sal em açúcar, água em vinho. Um dia de chuva seria sentido como se o sol mais radioso nos estivesse a banhar a pele; uma noite fria como se mil cobertores nos acarinhassem o corpo, aconchegando-o e protegendo-o do mundo.
E o objecto do nosso amor? Ia ser o mais lindo, esbelto, inteligente, engraçado, sério, honesto, justo, brincalhão, simpático, charmoso, belo, honrado, sincero, compreensivo, sensível, sensual, amoroso, doce, gentil e pensado dos seres. Apareceria do nada, num belo e radioso dia de sol precedido por noite clara e amena em que a lua sorriria e as estrelas voariam como se asas tivessem, concedendo desejos e alimentando os sonhos de todos quanto levantassem os olhos para o infinito que é um belo e iluminado céu nocturno. A noite, sabendo do dia que aí viria, faria uma estrondosa saída de cena porque sabia, sábia, que a partir do dia seguinte, nunca mais seria a mesma, nunca mais a sua influência escura e sombria teria o mesmo efeito sobre os corações que com ela sofriam as auguras da escuridão. Ida a noite, viria o tal dia, radioso e doce, em que o céu resplandeceria e brilharia com a quente e confortante luz de um sol tão intenso e cheio de cor que os olhos chorariam de emoção perante tal visão. Chorariam de novo quando tal ser, enviado pelo amor e encaminhado até nós pela paixão, nos apareceria à frente enquanto executávamos um qualquer acto mundando, tantas vezes repetido, tantas vezes realizado, sem nunca nos apercebermos que sim, poderia ser precisamente ali que toda a nossa vida poderia mudar, de um momento para o outro, havendo o antes e o depois de tal momento em que o coração se renderia a olhos que nos sorririam cheios de calor e afecto e em que mãos se estenderiam até nós, convidando-nos a partilhar o resto da vida, o resto dos dias, o resto de todas as horas quanto haveriam a viver neste de repente tão belo mundo.
E seria fabuloso. As compatibilidades, as cumplicidades, as conversas, os segredos – tudo se coordenaria numa dança elegante e graciosa, salpicada por risos e risotas várias, em que as frases de um seriam acabadas pelo outro e em que, com apenas um olhar, toda uma noite de conversa profunda e reveladora seria tida.
E era suposto o sexo ser do tipo que se descreveria com palavras tipo terramoto e tsunami. Os orgasmos seriam carinhosamente apelidados de El Niño e as faces andariam permanentemente ruborizadas pela espécie de vergonha que se sentiria em ser possível ter-se tanto prazer, de uma só vez, com uma só pessoa, durante tantas e longas horas. As velas não teriam tempo de vida para testemunhar os preliminares, quanto mais o resto. Não haveria óleo corporal que resistisse, mola de colchão que sobrevivesse ou gritos de prazer que não se ouvissem num raio de três quilómetros. O sexo seria o culminar bíblico de duas almas que teriam passado milénios aos tombos pelo universo, numa desesperada busca uma pela outra – o sexo seria o milagroso encontro físico de seres celestiais que teriam aproveitado os milénios gastos a caminharem um para o outro para se tornarem tão conhecedores das artes do amor que até a luxúria se envergonharia caso assistisse a tal espectáculo. Os corpos explodiriam, os sentidos ficariam tão afinados e tão sensíveis que o mais leve toque seria o equivalente a ser-se abalroado por camião carregado com toneladas e toneladas de chumbo… mas no bom sentido. O sexo seria a libertação de almas, o dar a volta à lua e ao sol ao mesmo tempo. Seria tão perfeito que todos os orgasmos pareceriam terem sido escritos por Mozart, qual peça de música, qual sinfonia, qual obra de arte em que todos os instrumentos se interpelam para que o céu pareça, por um instante que seja, quase possível de ser inspirado.
Mas, não.
O emprego é trabalho. Do que dói e faz doer.
O carro? Em segunda-mão e a cair aos bocados. As revisões? Na oficina de um tio que também tem uma bela horta que de vez em quando vai desbastando para nos dar umas couves, batatas e cenouras.
As viagens de fim-de-semana? Até ao centro comercial olhar para o que não se pode comprar visto o ordenado ter tão cruelmente miserável.
O patrão? Um filho da puta mal cheiroso que não paga a segurança social ou horas extra mas que sabe exigir fins-de-semana e que se acha no direito de comentar tamanhos de rabo.
O amor? Um sacana rancoroso. Um bêbado ressacado. Um piquínhas vingativo. Um puto ranhoso e cheio de birras. O filho bastardo do demónio. Um ser intolerante, arrogante, seco, bruto, frio… vil.
O tal? Com peso, pêlo e colesterol a mais; cabelo, maneiras e higiene a menos.
O sexo? Qual sexo? O que se fazia no banco de trás do carro quando se era jovem e até se gostava das nódoas negras e lesões musculares na zona lombar ou o que se faz pela madrugada, a toque do despertador, no escuro e com pressa antes que as crianças (que precisam de óculos e aparelhos nos dentes e que comem que nem uns alarves e não estudam nada) acordem e antes que não se tenha tempo para tomar banho antes de se ir para o trabalho que dói e paga pessimamente e onde os colegas não valem nada e o patrão vai começar a vender o sangue dos empregados para ter dinheiro para comprar papel para a impressora? Ahhh, sim. Sexo.
A realidade é uma cabra cega que não tem o mais pequeno pingo de respeito ou compaixão por nada ou ninguém. Nem pelo que seria suposto ela ser.
Vaca sarnosa.
Não era suposto ser assim. Não era?

23.10.11

Medo. Muito medo.

imagem: google

O medo é a mais universal e útil das emoções. Tudo fazemos para o evitar ou minimizar. Tudo. O medo reina, é Senhor e ganha sempre todas as batalhas de vontade nas quais se envolve. Ele é supremo, omnipresente e tão poderoso que é capaz de nos matar num ápice. É a mais homenageada das emoções: prestamos mais vassalagem ao Deus Medo do que a qualquer outro deus ou santo. É o medo que nos faz andar para a frente, que nos trava os passos, que nos faz recuar a uma velocidade estonteante. É ele que espalha um bocado de magia sobre o amor; é ele que deixa cair flocos de racionalidade sobre certas decisões. É ele que nos mete de pé e que, a seguir, nos atira ao chão, sem dó nem piedade, se por acaso decidirmos testar exactamente até que ponto somos servos da sua vontade.
O medo é a linha que demarca o voo dos sonhos, a intensidade da esperança e a força das convicções. É ele que nos rege a vida, qual pequeno ditador, que nos seca a boca e torce o estômago, que nos semeia dúvida e reticência na alma. É ele que nos fecha os olhos ao que não queremos ver e que os abre de vez apenas para mostrar quem realmente manda. É ele que cobre visões puras e bem-intencionadas com sombras escuras e assustadoras; é ele que nos arranca palavras impossíveis de serem ditas de livre vontade da garganta. É também ele que cala uma data de outras.
O medo tudo abarca e tudo rege. E nós, fiéis escravos de sua vontade, raramente lhe viramos costas. Ainda mais raramente o convidamos a sentar-se a nosso lado, a fazer certas viagens connosco. A sabedoria que traz raras vezes é acarinhada e nutrida por nós; não o sabemos ler ou entender. Não percebemos as suas intenções, logo, não o queremos por perto, qual animal selvagem e perigoso que nos ameaça a existência a cada segundo.
O medo é a mais forte das emoções. Talvez a mais forte. A que mais destrói e a que mais constrói. A que mais nos faz crescer e a que mais nos diminui.
Uma vida sem medos seria, para muitas pessoas, uma vida imaculada e ideal - sem apertos na garganta e revoltas no estômago, sem mãos suadas ou pernas vacilantes, sem impossibilidades, sem caminhos fechados, sem injustiças. Uma vidinha santa em que o certo é o certo e em que as consequências nunca seriam temidas ao ponto de impedirem actos.
O medo, tal qual a dor, é apenas um sistema de segurança concedido a cada um de nós à nascença. Também serve para ser desafiado. Para ser renegado à sua reles insignificância. Para ser olhado nos olhos e deitado abaixo, sem o mais pequeno respeito pela sua vil existência.
Também pode ser aliado à coragem. E aí, com esse bravo amigo, dar vida à vontade e à força, deixando-as sobressair a todas as dúvidas e questões que ensombram vidas e arrasam almas. O medo, na quantidade certa, no lugar certo, no momento certo, funciona. E aí, as pernas, mesmo vacilantes, podem e conseguem continuar a caminhar e as mãos, por muito suadas, podem e conseguem sempre agarrar aquilo que mais se quer ou afastar o que menos se deseja.
O medo. A mais útil das emoções. Não se devia ter medo do medo. Ele merece mais. E nós também. 

12.10.11

Se fosse eu…

imagem: google

Perguntaram o que diria se fosse eu a silenciosa.
Respondi que não saberia o que dizer.
Insistiram.
E eu também, até saber.
-
Ainda és tu. Antes de saber que eras tu, já eras tu. Até mesmo quando não eras tu, eras tu. E até mesmo quando não fores tu, és tu. Serás sempre tu.
Não te guardo no coração. Não te guardo na cabeça. Guardo-te aqui num sítio especial, que existe só para ti e que é muito mais fácil de sentir do que o coração ou a cabeça: na garganta. Bem atravessado e alojado, encalhado, até. Na garganta, que é por onde falo e calo, que é por onde passa cada golfada de ar que respiro e me mantém viva. É aí que estás. A testemunhar tudo o que por mim passa. A veres, na primeira fila, cada risada que dou, cada aperto que sofro. É aí. No único sítio que não consigo disfarçar ou mentir que existe. No único sítio que quando fecha, tudo pára; que, quando se abre, tudo flui.
No único sítio onde ficam por dizer as coisas que não se tem coragem ou força para dizer; no único sítio por onde se engolem lágrimas, quase como se recolhermo-las de novo ao corpo faça com que não sejam desperdiçadas. No único sítio que se apertava em ânsia por um beijo teu, no único sítio onde se formavam as palavras amo-te, quero-te, fazes-me falta, sou tua.
É aí que te trago comigo. Não é na cabeça. Essa é esperta e tem truques que arrumam e alteram pensamentos e sentimentos. Não é no coração. Esse também tem demasiados truques que deturpam a realidade das coisas, fazendo-as parecer mais perto do que realmente estão, ou mais longínquas do que alguma vez foram. Esse parte-se. Quebra-se. Aí, não.
É entre os dois que te guardo. É aí, onde também se guardam todas as amarguras e doçuras da vida, que te escondo, que te protejo dos truques vis do resto de mim que tanto tenta fazer com que desapareças, como tenta fazer com que te ressuscites e te tornes maior que eu. É aí, no sítio onde suspiro as memórias e as fantasias, os sonhos. Onde engulo e engasgo os arrependimentos, onde tusso os disparates e desculpas que me tentam acalmar os dias.
Sempre foste tu e sempre serás tu. Mesmo que nunca mais nenhum beijo tenha o teu sabor, mesmo que nunca mais nenhuma ânsia seja por saber que te vou ver daí a minutos. Mesmo que nunca mais por mim passe ar que te tenha acabado de tocar.
Mesmo que nunca mais volte a seres tu, sempre o foste, sempre o vais ser, sempre o serás.
Por isso, cuida de ti. Mantém-te bem e feliz. Contente e satisfeito com os dias, com as noites, com tudo o que a vida te dá a provar. Dá tudo de ti. Recebe tudo o que tiveres para receber. Sem medo, sem remorsos. Vive. Bem e muito. Cuida de ti por mim. Só assim te sei bem entregue. Só assim me sei bem entregue.  
És tu. Sempre foste e sempre serás. Tu.
-
Se fosse eu, talvez fosse isto que dissesse... nem que fosse para ninguém ouvir.