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- Ouve lá… queres ir comigo às compras?, perguntou ele, como quem não queria a coisa.
- Para comprar…?, perguntou Ela desconfiada.
- Sapatos. Preciso de sapatos. Vá-lá-por-favor-vem-comigo-preciso-que-vás-vá-lá-não-digas-qe-não-vá-lá, suplicou.
- Eh, pá, porra pá. Detesto ir às compras contigo. És esquisito. Demoras montes de tempo. És indeciso. Tudo te fica mal. E depois ter de carregar tudo é uma chatice. Porque não levas uns amigos teus? Hmmm? Tenho mais que fazer. Tenho de ir actualizar o meu blog “The Passaroca Knows Best”, versão portuguesa “A Passaroca Sabe Melhor”. Tenho lá uns quantos totós que aproveitam o blog como escape cobarde para as frustrações. Tenho de ir meter ordem naquilo.
- Oh, pá. Mas eu não gosto de ir com eles! São piores que eu. E eu não confio na opinião deles! Vem comigo! O blog pode esperar, bolas!
- Chato, pá. ‘Tá bem então. Ficas-me a dever esta.
- Boa, Mariazinha!, guinchou ele enquanto a arrebanhava nos braços e a beijava.
Fingido, pensou Ela. Mas não fazia mal. O blog podia esperar.
Saíram e foram para o centro comercial onde tiveram que andar com cuidados especiais por causa da quantidade de gente. Como só faltavam 7 dias para o Natal, estava a abarrotar.
- Vamos àquela sapataria ali. Tem umas coisas tão giras!
- Mas tu nunca compras nada naquela. Dizes que a empregada é uma besta que te aleija os pés quando te tenta enfiar os sapatos!
- Oh, vá lá. Têm coisas tão giras…! Váaaaaaaaa láaaaaaaa… por favooooooor!, suplicou.
- És sempre a mesma coisa.
Foram.
Lá escolheu um par que queria experimentar.
- Olhe, desculpe. Queria experimentar aquele par ali. Tem o número 42?
- Olá! Tenho pois! Vou só buscar! Que cor quer?!, respondeu a empregada.
- Preto. Quero preto. Mas traga também em castanho e camel. Nunca se sabe. Olhe… já agora… traga 50 pares. Quero ver como me ficam em todos os pés… desculpa lá…, disse ele.
- Quer-o-quê-quantos?, exclamou a empregada
- Pois. Olhe, e traga mais umas empregadas dessas suas amiguinhas. Temos de despachar aqui a coisa, se não você vai fazer horas extraordinárias 'miguinha, respondeu ele, na maior.
- Oh, valha-me caredo, exclamou Ela.
- Olhe, traga lá os pares que eu já sei como enfiá-lo nos sapatos de uma só vez. É uma questão de coordenação, enfiar-lhe uma meia na boca para não fazer muito barulho e depois rezar que sirvam todos à primeira. Sabe rezar, menina? Comece já.
A empregada lá foi, arrebentando balão de pastilha atrás de balão de pastilha, excitadíssima com a comissão que ia ganhar naqueles 50 pares de sapatos.
Quando voltou, já Ela o tinha preparado para experimentar os sapatos. Tinha-o enrolado à volta da cintura, tipo bóia. Pediu à empregada que alinhasse os sapatos, par após par. Quando estava tudo a postos, foi desenrolando-o para cima dos sapatos. Ele, conhecedor da técnica, esticou as pernas e lá foi dando o jeito. A empregada estava contentíssima. Estava tudo a correr muito bem.
- Então, gostas?, perguntou Ela.
- Não sei se me ficam assim tão bem nesta cor. Acho que gostava de experimentar o castanho.
Sabendo que isto ia acontecer, ela pegou nele, sacudiu-o violentamente até todos os sapatos lhe voarem dos pés. Depois repetiram o processo.
- E estes?, perguntou.
- Ohhh… hummm…. Não sei….. ahhhhh….
- Ouve á. Queres-te decidir se faz favor? Não podemos estar aqui até amanhã!
- Achas que gosto de estar indeciso? Oh, pá. São ambos tão lindos! Não me consigo decidir!!, resmungou ele.
- Já me estás a fazer lembrar aquele dia em que fomos aos correios e me obrigaste a lamber 42 selos até achares que a cor ficava bem com o envelope. Graças aos santinhos que estão a acabar com os selos lambidos. Bolas. Nada revoltada contra os CTT, eu!
- Lá estás tu. Só te sabes queixar. Não entendes nada. És uma insensível!, respondeu ele, cruzando os braços e fazendo beicinho.
- Ahh, vá lá. Deixa-te de cenas. Sabes perfeitamente que tenho razão. Tal como daquela vez que não quiseste ir experimentar aquele fantástico par de calças que te iam ficar bem porque disseste que não tinhas trocado de cuecas nessa manhã. Obrigaste-me a alambar contigo até à outra ponta da cidade para ir mudar de cuecas e voltarmos.
- Mas é importante andar sempre lavadinho! E nessa manhã, se bem te lembras, tu estavas cheia de pressa para te ires embora! Nem me deixaste tomar banho! Tanta coisa, tanta coisa e depois nem conseguimos chegar a tempo ao estádio da luz para ver os autocarros a arder.
- Ehhh. Experimenta lá esses, vá., respondeu Ela, chateada.
- Os camel, por favor!, solicitou ele.
Lá repetiram o processo.
- Fantásticos! Levo estes! Acho eu… ai… não sei…, duvidou.
- Mau!, disseram Ela e a empregada ao mesmo tempo.
- Eh, pá. É importante que tenha a certeza! Já viram se não tivesse? Seria como o inverno não anteceder a primavera! E isso é muito importante!, suplicou ele, desesperado.
- Deixa-te de merdas. Vamos mas é embora, disse Ela pegando na mala e tirando o multibanco para pagar.
- Estes-gajos-pá-chegam-aqui-reviravoltam-tudo-depois-acham-que-uma-pessoa-ganha-mais-que-o-ordenado-minimo-para-andar-aqui-de-cu-para-o-ar-a-apanhar-lixo…., resmungou a empregada por entre balões e como quem não quer a coisa.
- Vai mas é trabalhar, ó tu aí! O Cliente tem sempre razão!, gritou ele enquanto se escapava pela porta apressado.
- Vamos embora, por favor! Já viste a quantidade de caixas que temos para carregar?! Deixa-te dessas coisas! É sempre a mesma coisa!!, refilou Ela enquanto se dirigia para o elevador.
A empregada, chateada, ainda foi a tempo de lhe mandar com a porta no rabo.
- Ahh, pois é, bebé. Toma lá para não seres gajo totó., sorriu ela enquanto foi para o computador da loja consultar o seu blog preferido. Gostava de desabafar as suas coisas naquele blog. A gaja que era dona do blog parecia ser tão sensível e compreensiva! Adorava.
THE END.