“Um dia, olhas para trás e ris-te disto tudo!”, dizem-me
(e ouço dizer a outras pessoas).
E eu lá sorrio e baixo o olhar, digo que sim com a cabeça
– faço o que for necessário para permitir que aquela frase feita e dita por não
se saber que mais dizer não perca o seu encanto ou o conforto que dá a quem a
diz (e não a quem a ouve). Não gosto de ofender o optimismo cínico alheio.
O caralho é que me vou rir. O caralho. Desculpem se ofendo. Perdão.
Rir do quê? De andar a trabalhar à hora e pela porta do
cavalo sem descontos de qualquer espécie para poder continuar a tomar banho de
água quente? De andar constantemente a ser alvo de olhares preocupados por
parte de quem me é próximo por saberem que as horas que são feitas simplesmente
não chegam para pagar a vida que tanto tento construir? De enviar currículo
atrás de currículo e ter sempre a mesma resposta: qualificações a mais? Rir de
ver amigos e amigas minhas a serem despejados para o desemprego e a fazerem
contas à vida deles e dos filhos? De saber que houve mais um suicídio de sei lá
quem cá da terra mas que ao menos assim o seguro paga a casa à mulher e aos
filhos? Rir-me do quê?
De haver um clima tenso e semi-deprimido em todos os
sítios que se visitam? Em todas as pessoas que se conhecem? Rir-me de saber de
mais uma pessoa que se foi embora do país, sozinha, para poder pagar a vida que
deixou cá? De ver os mais novos a estudar e cheios de ideias e de ideais em
relação a um país, um mundo, que já os deixou em terra e sem mapa, sem eles o perceberem? Rir-me?
Rir-me de saber que cresci numa época em que mais era
melhor e que agora, os mais, são menos… são nada? Rir-me de ver casais amigos a sofrerem em conjunto as
dores de cada um e a não saberem lidar com esse peso adicional, preferindo a
separação de modo a potenciar a sobrevivência individual de cada um? De ver
filhos a sustentar pais? De ver crianças a fazerem contas nos supermercados enquanto
agarram uma lata de qualquer coisa pré-feita e não outra porque a primeira é
dois cêntimos mais barata que a segunda?
Rir-me do quê, caralho?! Do quê?!
Faço parte da geração a quem cortaram as asas sem mais nem
menos precisamente quando estávamos prestes a levantar voo. Quero acreditar que
a minha geração, a Desasada (baptismo feito) vai chegar ao “poleiro” do poder (seja
isso onde ou o que for…) e fazer história.
Vamos olhar para trás, mas não nos vamos rir de nada. Seremos
a primeira geração que chega ao poder e não festeja. Em vez disso, choraremos. Por
quem não sobreviveu. Por quem não conseguiu manter o que tinha e fazia. Por
quem não criou os filhos como sabia que devia, fazendo-o apenas como podia. Por quem se foi
embora em busca de algo melhor e nunca mais voltou. Por quem se sujeitava a
condições de trabalho humilhantes, abandonando o direito à reforma e à saúde
para poder ter comida na mesa durante mais uma semana.
Por quem passou a existir, deixando de ser.
Por quem se perdeu no meio deste caos e nunca se
conseguiu encontrar de novo.
Estamos, a minha geração, na idade em que a nossa principal preocupação
devia ser o raio do puto que bate nos outros lá na pré-escola e não quantas
máquinas de roupa podemos lavar por mês para não gastar mais que vinte euros em
luz. Estamos na idade em que nos sentimos defraudados com tudo o que nos foi
incutido enquanto crescíamos. Estamos na idade de ver os frutos dos anos de
trabalho que tivemos até agora e de ganhar forças para trabalhar ainda mais e
mais e mais.
Estamos na idade em que ainda nos lembramos dos
ensinamentos que crescemos a ouvir. Estudem,
filhas e filhos. Estudem, alunas e alunos! Estudem, trabalhadoras e
trabalhadores! Trabalhem, filhas e filhos. Trabalhem, alunas e alunos!
Trabalhem, trabalhadoras e trabalhadores!! O mundo será vosso se fizerem como vos
dizemos! Sigam-nos que sabemos o caminho e nunca nos perdemos! Venham! É por
aqui!
Vão-se foder, Srs. Drs. Vão-se foder.
Quando vocês estiverem reformados (ou lá perto), será a
minha geração a que estará no poder. Enquanto vocês sofrem dos vossos lapsos
selectivos de memória e nos atiram sorrisinhos amarelos por “as coisas poderem
ser piores”, estaremos nós a vasculhar os escombros que nos deixaram de herança
e a tentar salvar o que há muito pouco ou nenhuma salvação tem. E choraremos. Por
todos. Incluindo vocês.
Não vai haver sorrisos para ninguém. Muito menos ao olhar
para o passado que fizeram nosso quando tudo o que queríamos era Futuro.
Vão-se foder.
6 comentários:
É isso mesmo vão-se foder...porque a nós já nos foderam e nós continuamos a deixar que nos fodam ainda mais...
Cambada de cabrões que não abdicam de nada e só fazem é pedir para termos paciência e apertarmos o cinto! Mas qual cinto? Já esgotamos os buracos do cinto para apertar, já baixámos as calças e fomos encavados até ao tutano e que querem mais!? Agora só falta mesmo meter uma corda ao pescoço e desistir...mas não lhes vamos dar esse gostinho...filhos da puta que não sabem o que é fazer sacrifícios para pagar contas e conseguir ao menos comer qualquer coisa!E mais...ao menos que nos apalpassem as mamas...quer dizer pelo menos a mim...porque eu gosto que me apalpem as mamas enquanto me fodem!
BNCDB
Eu já nem me chateio com toda esta coisa de apertar o cinto e afins. Sei que é necessário, ainda que a coisa pudesse ser feita de outra forma. Não se corta um braço porque no dói um dedo...
O que chateia mesmo são os que vieram antes e sabiam o que iria acontecer e cagaram de alto nas coisas, deixando-as para quem viesse a seguir resolver. Esse tipo de irresponsabilidade, de maldade até, deixa-me completamente engasgada de raiva. E não tem a ver com política, nem com partidos, nem com nada dessas merdas. Tem a ver com pessoas a quem foi confiada uma enorme responsabilidade e que pura e simplesmente não se esforçaram para fazer o melhor que podiam.
Esqueceram-se das consequências do que andavam a fazer. E o pior, penso, é que acho que sabiam. Sabiam e não quiseram saber.
E esse tipo de abandono é intolerável. Não o admitimos a amigos ou familiares, mas admiti-mo-lo a meia dúzia de políticos profissionais que de governância percebem muito pouco.
Já pouco me aflige. Mas eles podem-se ir foder na mesma.
BNCDB 4 U 2!! :)
Tenho uma triste notícia: a nossa geração já lá está e faz pior que a anterior, pois quer sacar o mesmo leite de vacas que, mais que magras, estão mortas.
Lima,
Não posso acreditar nisso como um todo. Não posso. Que sejam os herdeiros de quem ainda está no poder... acredito. Agora, gente entre os 35 e os 25 anos, gente que tenha levado com esta merda toda nas fuças sem mais nem menos, não posso acreditar nisso.
Posso estar a ser ingénua, mas porra... Porra.
És muito ingénua, quanto a este ponto, lamento :(
Ou talvez apenas prefira acreditar que não me seja possível tratar gentinha dessas por tu...
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