O II Desafio referia-se à Dicotomia Nascimento/Morte, devendo os participantes fazer uso da imagem acima para maior inspiração.
E eu, imbuída do espírito criativo, produzi esta obra de arte.
Vir, ir, voltar.
A cama era dura e desconhecida. Acordou sem saber onde
estava. Olhou para o tecto e não reconheceu a cor. Olhou para o lado. Viu uma
janela e uma mão que se aproximava da sua cara. Reconheceu a voz que lhe falava
baixinho perguntando se estava bem. Tentou sorrir. Olhou um par de olhos que
chorava em silêncio enquanto a boca, mais abaixo, mexia. Não percebia os sons.
Tentou levantar a mão para aquela boca, para sentir o que lhe dizia. Não
conseguiu.
O corpo que em tempos lhe obedecia estava agora envolto
numa terrível teimosia de inacção. Recusava-se a obedecer. Estava cansado,
farto.
Eu já fui assim, pensou enquanto olhava os olhos que
choravam, a boca que mexia e sentia a mão que lhe roçava a pele enrugada e
gasta pelo tempo. Respirou fundo.
Já fui assim, pensou, dando continuidade às lembranças
que agora lhe enchiam a mente de cores e formas e o peito de dor e desespero.
Tinha voltado a não se conseguir mexer como deve ser, a
não perceber o que lhe diziam, a não entender o que lhe faziam. Nessa altura,
era jovem, demasiado jovem para perceber como funcionava o mundo. Sabia lá o
que se passava. Sabia lá que um dia iria conseguir saltar e pular e correr. Que
iria conseguir rir e chorar por exactamente as mesmas razões. Que iria
descobrir o amor e a deliciosa dor de amor que é ter um filho. Estava a voltar
para o ponto de partida, de novo numa cama e seguida por quem lhe poderia
prestar cuidados.
Será que, no fim, se volta ao início?, pensou. Será que
se vive numa espécie de círculo que se estende e encolhe até voltar ao sítio
onde tudo começa?
Levantou a mão e sorriu para quem lhe beijava a fonte e
lhe limpava as lágrimas da cara.
Cheguei ao início, ao sítio de onde vim, de onde parti
para ir viver. Voltei ao início para que o fim não seja tão assustador, para
que lhe reconheça os contornos, sinta familiaridade nas suas formas. Percebi.
Finalmente.
Tocou na boca que mexia, emitindo sons incompreensíveis.
Viu preocupação e amor. O seu filho. O que marcou o apogeu da sua vida e cujo
crescimento lhe ditou o declínio.
Tudo tem o seu tempo, reconheceu. Respirou fundo. Sossegou.
Vim, fui, voltei e agora, no fim, só me resta
Sim, o texto acaba assim mesmo. Não está incompleto. O/A personagem morre a meio do pensamento. Muito bom, huh? Pois... nem por isso. Ao que parece, a coisa circular da vida, dos túneis e das luzes que brilham passaram-me ao lado. A alta velocidade.
Falhanço número dois no papo!
Falhanço número dois no papo!
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