6.11.12

Desafio II... Escreveu-se.

imagem: google

O II Desafio referia-se à Dicotomia Nascimento/Morte, devendo os participantes fazer uso da imagem acima para maior inspiração. 
E eu, imbuída do espírito criativo, produzi esta obra de arte. 


Vir, ir, voltar.
A cama era dura e desconhecida. Acordou sem saber onde estava. Olhou para o tecto e não reconheceu a cor. Olhou para o lado. Viu uma janela e uma mão que se aproximava da sua cara. Reconheceu a voz que lhe falava baixinho perguntando se estava bem. Tentou sorrir. Olhou um par de olhos que chorava em silêncio enquanto a boca, mais abaixo, mexia. Não percebia os sons. Tentou levantar a mão para aquela boca, para sentir o que lhe dizia. Não conseguiu.
O corpo que em tempos lhe obedecia estava agora envolto numa terrível teimosia de inacção. Recusava-se a obedecer. Estava cansado, farto.
Eu já fui assim, pensou enquanto olhava os olhos que choravam, a boca que mexia e sentia a mão que lhe roçava a pele enrugada e gasta pelo tempo. Respirou fundo.
Já fui assim, pensou, dando continuidade às lembranças que agora lhe enchiam a mente de cores e formas e o peito de dor e desespero.
Tinha voltado a não se conseguir mexer como deve ser, a não perceber o que lhe diziam, a não entender o que lhe faziam. Nessa altura, era jovem, demasiado jovem para perceber como funcionava o mundo. Sabia lá o que se passava. Sabia lá que um dia iria conseguir saltar e pular e correr. Que iria conseguir rir e chorar por exactamente as mesmas razões. Que iria descobrir o amor e a deliciosa dor de amor que é ter um filho. Estava a voltar para o ponto de partida, de novo numa cama e seguida por quem lhe poderia prestar cuidados.
Será que, no fim, se volta ao início?, pensou. Será que se vive numa espécie de círculo que se estende e encolhe até voltar ao sítio onde tudo começa?
Levantou a mão e sorriu para quem lhe beijava a fonte e lhe limpava as lágrimas da cara.
Cheguei ao início, ao sítio de onde vim, de onde parti para ir viver. Voltei ao início para que o fim não seja tão assustador, para que lhe reconheça os contornos, sinta familiaridade nas suas formas. Percebi. Finalmente.
Tocou na boca que mexia, emitindo sons incompreensíveis. Viu preocupação e amor. O seu filho. O que marcou o apogeu da sua vida e cujo crescimento lhe ditou o declínio.
Tudo tem o seu tempo, reconheceu. Respirou fundo. Sossegou.
Vim, fui, voltei e agora, no fim, só me resta

Sim, o texto acaba assim mesmo. Não está incompleto. O/A personagem morre a meio do pensamento. Muito bom, huh? Pois... nem por isso. Ao que parece, a coisa circular da vida, dos túneis e das luzes que brilham passaram-me ao lado. A alta velocidade.
Falhanço número dois no papo!

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