28.8.12

Viagens – Parte I

imagem: google


Fui para a praia. Três dias. Só fui à água no último dos três (não acredito em me castigar com águas gélidas só porque sim). Foi também nesse dia que apanhei escaldão na regueifa por me ter distraído com livro que já não pegava há dois anos (mais coisa menos coisa). Praia é praia. Escaldão é escaldão. Mas o livro até que é bom.
Fui a um baptizado. As calças que ia levar, ao experimentá-las dois dias antes do evento (ao segundo dia de praia, portanto), não me serviam da mesma forma que me serviam da última vez que as vesti (dois anos meio, mais coisa, menos coisa). Fui ao baptizado apertada e devidamente moldada numas calças de seda preta que, apesar dos apesares, foram de extremo alívio para nalguedo vermelho e sensível a tudo quanto fosse roupa ou toque.
No baptizado, a que fui com nalgas a ferver e calças moldadoras (granda Massimo Dutti, passe a publicidade, que em tempos era estaminé que frequentava assiduamente – nos saldos – antes de o Universo me ter renegado a aproveitar a prata da casa, sirva ela da melhor forma ou não), consegui o enorme feito de pisar a única bosta de cão num raio de quinhentos metros, tendo cagado, literalmente, a sola da bela sandaloca (fechadas e bicudas à frente que isto de andar com o dedinhos dos pés ao léu é só para quem lhes pinta as unhacas), também elas Massimo Dutti e compradas no mesmo dia das calças (ver parêntesis acima), de uma cor de creme leve (cor de burro quando foge), sem sequer perceber como o fiz. Apercebi-me quando tentei aliviar os pés das dores provocadas pelos saltos colocando a planta do pé em cima de passeio mais baixo e deixando salto pregado no chão mais abaixo (excelente técnica). Depois de absorver a imensidão de tal novidade, lá andei a raspar com belas solas (“true leather”) contra relva e outros passeios até me libertar de substância malvada, espremida e empurrada com zelo do cu de um qualquer Bobby passeado aos fins-de-semana e obrigado a cagar à pressa enquanto dono, impaciente, o chama e tenta disfarçar a vergonha que é ter canídeo defecador a defecar em espaços públicos.
E o creme? Os litros que me tenho visto obrigada a espalhar languidamente (na medida do possível e gosto eu de pensar tendo por base as caretas que faço…) pela regueifa de modo a evitar que as primeiras camadas de pele sequem e se soltem num infinito festival de comichão apenas passível de ser sossegado enfiando mãos calças abaixo para aliviar tais solturas? Sofre-se muito por um bom livro “New York Times Best Seller – 2009”. As Dezenas Sombras de Grey (ou sejam lá quantas forem) que se lixem. Eu e os meus cinco ou seis tons de vermelho fazemos melhor figura (mesmo que regueifa não seja das mais magras e esculpidas possível, isso apenas faz com que me orgulhe de pertencer a um grupo de gente que, quais anjos inspiradores, conseguem motivar a que se escreva sobre elas – as regueifas não escanzeladas e respectivas donas – com tanta paixão e afinco… Haja inspiração, venha ela de onde vier, mesmo que seja dos pequenos demónios interiores que, literalmente, vão consumindo certas pessoas de dentro para fora…).
Depois das fotografias da praxe, lá se foi para a cerimónia em si. Mãe da pequena a ser proposta para o Reino de Deus enganou-se na porta da igreja e lá andámos rua acima, rua abaixo, à procura da bem-dita entrada (qual porthole para outra dimensão) onde ansioso Padre aguardava comitiva ambulante. Lá andei, de pé bem calçado e cagado, calçada acima e calçada abaixo, ansiosa (também eu) por chegar a destino que me permitisse aliviar dores dos pés, mesmo que corresse o risco de arrebentar com calças amolgadoras (nesta altura, já o tinham passado a ser) no processo. Chegou-se, sentou-se e, logo de seguida, levantou-se porque, ao que parece, a entrada no Reino de Deus faz-se de pé, estando o mesmo cagado ou não.
Sofre-se muito nisto de acompanhar as viagens dos outros para aqui e para ali (ou além…). Eu, que supostamente dei entrada no tal Reino aos sete anos (a minha proposta de sócia demorou a ser analisada), não me ofereci como guia sequer. As dores que tinha nos pés, para não falar na regueifa amolgada que latejava a cada passo dado, impediram-me de tal acção voluntariosa, com muita pena minha, claro está. Isso e o facto de há muito ter pedido asilo político e espiritual a outro tipo de Reino menos castigador e com melhor sentido de olfacto. Mas isso, por ora, não interessa nada.
E lá se untou isto e aquilo, acendeu-se e apagou-se uma vela (a cerimónia da tocha olímpica passou-me pela mente…). Sentou-se e levantou-se toda a comitiva uma meia-dúzia de vezes, orou-se e rezou-se, molhou-se testa de pequena estagiária (tendo tal acto provocado a inveja de todos dado o calor que se fazia sentir), rogou-se ao tal Deus feito Director de Recursos Humanos por uma manhã e sofreu-se. Muito. De pé devido às sandálias (lindas) torturadoras de pés e sentada, devido a regueifa ávida de cremes e mais cremes mas devidamente acondicionada em calça de seda (da boa e muito bem cosida, diga-se de passagem).
Acabada e terminada a viagem da pequena para o tal Deus feito Director de Recursos Humanos por uma manhã, comitiva desfez-se e todos seguiram para almoço. Eu, com fome mas contente por ter participado em tais andanças, não podia acompanhar mais as festividades. Tinha outro assunto a tratar, outro sítio onde estar.
O funeral começava as três da tarde, mas eu, se acelerasse um pouco para fazer os sessenta quilómetros que me separavam de me ir juntar a outra comitiva para outra viagem, conseguia chegar com meia hora de atraso e ainda apanhar a malta na igreja (outra, com uma só entrada de modo a não baralhar as pessoas e viajantes). E lá fui, perplexa com a ironia da ordem dos eventos do dia, mas ciente de que em ambos, a minha presença fazia um certo sentido (nem que fosse para testar a minha capacidade de sofrimento e resiliência perante os obstáculos que o Universo me ia atirando para debaixo dos pés…).

(continua) 

2 comentários:

Landini disse...

Brutal... há muito que não lia tamanha descrição sobre as desgraças dos outros... Desculpa, mas não consigo ficar impassível perante tamanha descrição de sofríveis azares.... e ri-me como um puto só de imaginar a "regueifa" em tons de vermelho estilo Hellboy...

Me disse...

Olá, Landini,
Oh homem, ri-te à vontade que eu bem que faço o mesmo (apesar dos apesares...).
Regueifa está melhor, obrigada :)