21.8.12

Não se faz questão.

imagem: google


Enviei CV a candidatar-me a um trabalho. A empresa é Alemã. O trabalho era no Porto.
Obtive esta resposta:
First of all, we would like to thank you for your interest in our company and your application.
After careful examination of your application, we regret to inform you that we cannot take your application into further consideration. Please notice that we receive a great many great applications and therefore decisions are often based on minor differences. Please be assured therefore, that we do not question your qualifications or you as a person.

Thank you again for your application and we wish you all the best in your future career. …”


“… we do not question your qualifications or you as a person.
Primeiro que tudo, responderam (mesmo sendo resposta igual para todos, tinha lá o meu nome e deram-se ao trabalho de enviar uma resposta. Para quem já não espera resposta sequer…) e depois, como se isso não bastasse, ainda me asseguram que não colocam em questão as minhas qualificações e que também não me colocam em questão enquanto pessoa.
Pe-ssoa. Pessoa. Pe-ssô-a. Pessoa. Pessoa.
Após tanto tempo, após tantos nãos, após tanta falta de resposta, após tantas oportunidades perdidas, após tantos currículos enviados para o que parece ser um enorme vazio, dizerem isto quase que nos atira para um pranto sem fim. Esquecemo-nos que somos, de facto, Pessoas. Eu e centenas de milhares de outras Pessoas, não vivemos como tal. Somos números, e-mails. Somos cartas de apresentação em que esmiframos as qualificações e a experiência na esperança de que outra Pessoa nos veja no meio das linhas de texto e datas e médias e afins. Somos tudo e mais alguma coisa menos Pessoas. Como não trabalhamos, parece que perdemos o direito a tal “rótulo”. Passamos a ser um número de senha num qualquer centro de emprego, uma password para login num qualquer site de emprego… Passamos a ser um perfil, qual versão 3D e mal amanhada do LinkedIn.
Pessoa.
Deram-se ao trabalho de me tratar como tal e eu estranhei.
E isso, para mim, é possivelmente a pior coisa que me podiam ter feito numa altura em que as Pessoas, as verdadeiras Pessoas, estão de férias dos trabalhos que ainda têm, refilam das chefias que ainda aturam, e contam os tostões que ainda vão recebendo. As verdadeiras Pessoas tiram fotos na praia, fazem contagens decrescentes dos dias que faltam para as férias, chateiam-se por causa de subsídios a menos e trabalho a mais, por causa do preço da alface, dos combustíveis, dos bifes e dos preços dos restaurantes. Essas sim, as Pessoas, têm uma vida preenchida e cheia de temas de conversa quando vão tomar café com as Pessoas delas.
Eu, que passo a maior parte do meu tempo a tentar encontrar razões para não ficar em casa durante todo o dia a dar formas novas às almofadas do sofá, sinto-me roubada de algo que há muito, pelos vistos, perdi, mas não o sabia.
Foi a pior coisa que me podiam ter feito.
Preferia continuar na ilusão de ser apenas mais um CV, mais um aglomerado de anos de estudo e de trabalho, uma carreira cortada ao meio, uma vida em stand-by até aparecer algo que me empurre de novo em direcção a ela. Preferia continuar a pensar que nem resposta mereço, que nem sequer abrem o meu currículo, que nem sequer reparam no que passei a vida a fazer até de repente, ter ficado sem o que fazer.
Preferia continuar no doce esquecimento de que, em tempos, também fui Pessoa daquelas a sério, que têm recibo de vencimento para o provar junto do banco e tudo, que têm as chatices do trânsito, das horas de almoço e das idas à rua para fumar um cigarrinho.
Foi a pior coisa que me podiam ter feito.
É que agora não me posso esquecer mais disto e isso vai fazer com que não permita que outras Pessoas o esqueçam e isso só lhes vai complicar a vida.
Pessoa. Sou uma Pessoa. E esta, hein?

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