Fui para a praia. Três dias. Só fui à água no último dos
três (não acredito em me castigar com águas gélidas só porque sim). Foi também
nesse dia que apanhei escaldão na regueifa por me ter distraído com livro que
já não pegava há dois anos (mais coisa menos coisa). Praia é praia. Escaldão é
escaldão. Mas o livro até que é bom.
Fui a um baptizado. As calças que ia levar, ao
experimentá-las dois dias antes do evento (ao segundo dia de praia, portanto),
não me serviam da mesma forma que me serviam da última vez que as vesti (dois
anos meio, mais coisa, menos coisa). Fui ao baptizado apertada e devidamente
moldada numas calças de seda preta que, apesar dos apesares, foram de extremo
alívio para nalguedo vermelho e sensível a tudo quanto fosse roupa ou toque.
No baptizado, a que fui com nalgas a ferver e calças
moldadoras (granda Massimo Dutti, passe a publicidade, que em tempos era
estaminé que frequentava assiduamente – nos saldos – antes de o Universo me ter
renegado a aproveitar a prata da casa, sirva ela da melhor forma ou não),
consegui o enorme feito de pisar a única bosta de cão num raio de quinhentos
metros, tendo cagado, literalmente, a sola da bela sandaloca (fechadas e
bicudas à frente que isto de andar com o dedinhos dos pés ao léu é só para quem
lhes pinta as unhacas), também elas Massimo Dutti e compradas no mesmo dia das
calças (ver parêntesis acima), de uma cor de creme leve (cor de burro quando
foge), sem sequer perceber como o fiz. Apercebi-me quando tentei aliviar os pés
das dores provocadas pelos saltos colocando a planta do pé em cima de passeio
mais baixo e deixando salto pregado no chão mais abaixo (excelente técnica).
Depois de absorver a imensidão de tal novidade, lá andei a raspar com belas
solas (“true leather”) contra relva e outros passeios até me libertar de
substância malvada, espremida e empurrada com zelo do cu de um qualquer Bobby
passeado aos fins-de-semana e obrigado a cagar à pressa enquanto dono,
impaciente, o chama e tenta disfarçar a vergonha que é ter canídeo defecador a
defecar em espaços públicos.
E o creme? Os litros que me tenho visto obrigada a
espalhar languidamente (na medida do possível e gosto eu de pensar tendo por
base as caretas que faço…) pela regueifa de modo a evitar que as primeiras
camadas de pele sequem e se soltem num infinito festival de comichão apenas
passível de ser sossegado enfiando mãos calças abaixo para aliviar tais
solturas? Sofre-se muito por um bom livro “New York Times Best Seller – 2009”. As
Dezenas Sombras de Grey (ou sejam lá quantas forem) que se lixem. Eu e os meus
cinco ou seis tons de vermelho fazemos melhor figura (mesmo que regueifa não
seja das mais magras e esculpidas possível, isso apenas faz com que me orgulhe
de pertencer a um grupo de gente que, quais anjos inspiradores, conseguem
motivar a que se escreva sobre elas – as regueifas não escanzeladas e
respectivas donas – com tanta paixão e afinco… Haja inspiração, venha ela de
onde vier, mesmo que seja dos pequenos demónios interiores que, literalmente,
vão consumindo certas pessoas de dentro para fora…).
Depois das fotografias da praxe, lá se foi para a
cerimónia em si. Mãe da pequena a ser proposta para o Reino de Deus enganou-se
na porta da igreja e lá andámos rua acima, rua abaixo, à procura da bem-dita
entrada (qual porthole para outra dimensão) onde ansioso Padre aguardava
comitiva ambulante. Lá andei, de pé bem calçado e cagado, calçada acima e
calçada abaixo, ansiosa (também eu) por chegar a destino que me permitisse
aliviar dores dos pés, mesmo que corresse o risco de arrebentar com calças
amolgadoras (nesta altura, já o tinham passado a ser) no processo. Chegou-se,
sentou-se e, logo de seguida, levantou-se porque, ao que parece, a entrada no
Reino de Deus faz-se de pé, estando o mesmo cagado ou não.
Sofre-se muito nisto de acompanhar as viagens dos outros
para aqui e para ali (ou além…). Eu, que supostamente dei entrada no tal Reino aos
sete anos (a minha proposta de sócia demorou a ser analisada), não me ofereci
como guia sequer. As dores que tinha nos pés, para não falar na regueifa
amolgada que latejava a cada passo dado, impediram-me de tal acção voluntariosa,
com muita pena minha, claro está. Isso e o facto de há muito ter pedido asilo
político e espiritual a outro tipo de Reino menos castigador e com melhor
sentido de olfacto. Mas isso, por ora, não interessa nada.
E lá se untou isto e aquilo, acendeu-se e apagou-se uma vela
(a cerimónia da tocha olímpica passou-me pela mente…). Sentou-se e levantou-se
toda a comitiva uma meia-dúzia de vezes, orou-se e rezou-se, molhou-se testa de
pequena estagiária (tendo tal acto provocado a inveja de todos dado o calor que
se fazia sentir), rogou-se ao tal Deus feito Director de Recursos Humanos por
uma manhã e sofreu-se. Muito. De pé devido às sandálias (lindas) torturadoras
de pés e sentada, devido a regueifa ávida de cremes e mais cremes mas
devidamente acondicionada em calça de seda (da boa e muito bem cosida, diga-se
de passagem).
Acabada e terminada a viagem da pequena para o tal Deus
feito Director de Recursos Humanos por uma manhã, comitiva desfez-se e todos
seguiram para almoço. Eu, com fome mas contente por ter participado em tais
andanças, não podia acompanhar mais as festividades. Tinha outro assunto a
tratar, outro sítio onde estar.
O funeral começava as três da tarde, mas eu, se
acelerasse um pouco para fazer os sessenta quilómetros que me separavam de me
ir juntar a outra comitiva para outra viagem, conseguia chegar com meia hora de
atraso e ainda apanhar a malta na igreja (outra, com uma só entrada de modo a
não baralhar as pessoas e viajantes). E lá fui, perplexa com a ironia da ordem
dos eventos do dia, mas ciente de que em ambos, a minha presença fazia um certo
sentido (nem que fosse para testar a minha capacidade de sofrimento e
resiliência perante os obstáculos que o Universo me ia atirando para debaixo
dos pés…).
(continua)