imagem: google
E eis a resposta ao II Desafio do Escrita Online.
Agradeço as vossas sugestões mas... Mas!
E pronto!
"O Corridinho que lhe saía do corpo deixava-me deliciada
(e algo invejosa, admito). Quando a via a rodopiar que nem uma boneca de trapo,
agarrada ao seu par que, agarrado a ela, também rodopiava mas sem o alarido da
saia que esvoaçava e da perna alçada e entrelaçada numa das dele, ameaçando de
queda a qualquer momento aquele par que se ia atirando palco fora como se
aqueles movimentos fossem a coisa mais natural deste mundo, ficava deliciada. E invejosa.
Do meu grupo dos “pequenos” via os “grandes” a dançar e a
mostrar o que nós um dia também poderíamos fazer se não nos aborrecêssemos com
aquilo até lá.
Queria fazer aquilo que nem ela. Com aquela elegância,
com aquela rapidez, com a segurança que era saber-me agarrada e bem agarrada para
não levantar voo em direcção à assistência ali tão perto.
Eu era dançarina de rancho, de tamancos e braços no ar,
de lenço na cabeça e avental ao colo. Eu perdia o calçado e o lenço. As meias
caíam e os braços enfraqueciam. As pernas tropeçavam e havia sempre alguém fora
de ritmo que atrapalhava os restantes esforçados artistas da dança tradicional
portuguesa.
Por entre Viras e Chulas, havia o Corridinho. Era o que
mais adorava ver e mais almejava ter a honra de aprender e dançar.
Lembro-me de ver aquilo tudo à minha volta, de estar no
meio daquilo tudo e sentir uma espécie de pena por quem não sabia o que aquilo
era. Não pela manutenção das tradições portuguesas em terras estrangeiras, mas
pela sensação de estar inserida numa engrenagem tão bem afinada e polida que
bastava um olhares para se saber qual a música que se seguia, quais os passos
que se davam. Tudo.
Hoje em dia, vejo bailados, por exemplo, e fico
estarrecida com o que o corpo humano pode fazer quando devidamente sintonizado.
Beleza que transborda o peito e quase que cerra os olhos, não vá aquela
sensação viciar-nos para todo o sempre.
Eu era dançarina de tamanco, de tombos por palcos de
tábuas mal pregadas, de puxões e empurrões para guiar os mais pequenos na
direcção certa, de camisas suadas e braços doridos, de lenços perdidos e meias
rasgadas.
Sentia-me a maior do mundo ali naquele mundo barulhento, desafinado,
em que o Corridinho acelerava pernas e cortava a respiração de todos quanto o
viam sair Dela, e Dele.
A maior."
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