23.4.11

Distraí-me.

imagem: google

Ele tem 37 anos, recém-divorciado, filhota com 2 aninhos, apaixonadíssimo pela ex-mulher, desempregado, de novo a viver em casa dos pais, zangado com o mundo, de olhar desconfiado e postura de quem acabou de ser derrotado mais uma vez por algo ou alguém.
Ela tem 32 anos, um filho com 5, 10 anos com um homem que lhe partiu uns ossos e uma esperança e fé tão fodidamente positivas na vida e nos poderes no Universo que quase me deixa sem reacção.
Ele tem 20 anos, solteiro, dono de uma beleza arrepiante, de uma calma devastadora, de uma gentileza que irrita e de uma espécie de força interior e segurança que contagia.
Ele, rancoroso, obtuso, directo e áspero, anda perdido e afastado da vida que tinha sonhado para ele, para o amor da vida dele e para a pequena filhota fruto desse amor que, em tempos, era tudo quanto lhe dava alento para viver sorrindo. Não sorri tanto agora. Parece andar sempre com aquele ar de quem precisa bater em algo para libertar stress.
(Disse-me que me achava uma mulher de armas mas que parecia que me tinha esquecido onde as tinha deixado. Disse-me para fugir daqui, para sair e voltar apenas e só quando conseguisse perceber que os poucos que dessem pela minha falta seriam os únicos aos quais deveria dedicar tempo de pensamento e noites sem dormir. Que os outros, os que falam porque não entendem e não me sabem, nunca me saberão e continuarão a adivinhar até eu reagir e entregar o ouro ao bandido. Disse-me para nunca o fazer. Nunca. Para continuar a sorrir-lhes como quem tem um segredo tão delicioso que se torna impossível não sorrir. Para fazer isso e para fazer tudo o mais que me apetecesse, fosse quando fosse, com quem fosse, onde fosse, como fosse. Para me zangar.)
A ela, já não a via há uns bons anos (teve a inteligência de ir viver fora da santa terrinha com o tal homem que lhe partiu uns ossos e lhe deu um filho). Voltou para casa dos pais e para um emprego que mal chega para pagar as despesas que tem em ir trabalhar quanto mais sustentar o filhote (claro que pai querido não contribui com o que deve…). Tem um sorriso rasgado, aberto e convidativo que recusa abandonar, mesmo quando se vê que está a fazer um esforço para assim, contente, se mostrar. Já levou com muitas patadas do Universo, mas agora quer tudo a que tem direito e não vai desistir até que a factura seja paga. Com juros.
(Disse-me que me achava apagada, pouco ciente de mim, demasiado preocupada com quem me olha, quem me fala, quem me diz. Disse-me que me achava presa, encurralada e sem forças para me libertar. Que estava enganada a meu próprio respeito, que me tinha em pouca conta, que deveria olhar bem para mim própria mas sem os “mas” todos que vão aparecendo no meio da minha própria opinião.)
Ele, doce e meigo, atinado e tão orientado que é impossível não confiar naquela calma e confiança sinceras, não é de cá e ainda anda a tentar decifrar como se vive por aqui, neste mundo tão cheio de gente que bate o pé de mãos nas ancas mas que recua assim que vêem ter tido algum efeito em quem desafiam. Tímido. Recatado. Caladinho. Observador. Dá nas vistas sem dar, atrai atenções sem se mexer e quando nos sorri, fá-lo com os olhos, com as mãos.
(Disse-me que parece que tudo me apoquenta. Que acha piada a deixar-me sem jeito e meio envergonhada pura e simplesmente por me dizer que me acha um espectáculo de amiga. Faz-me frente quando me armo em durona. Ri-se quando me vê menina.)

Três pessoas completamente diferentes que fazem parte da minha vida e que, recentemente, passaram uma noite a darem-me na cabeça que nem gente grande, tudo para ver se me conseguiam meter a olhar com olhos de ver.
Acho que fui intervencionada. Pelo menos é a sensação que tenho. Fui tomar café e saí de lá com a cabeça a andar à roda e de boca vazia de palavras. Nem tão pouco me deixavam argumentar.
Têm razão. E não me é fácil admiti-lo, mas têm. Cada um deles tem razão no que diz. Cada discurso aponta no mesmo caminho: que eu, mesmo estando no caminho certo, apenas vou ser atropelada se não me mexer (“Even if you’re on the right track, you’ll get runover if you just sit there” – Will Rogers).
Tenho uma excelente memória. Lembro-me de coisas que não lembra a ninguém. Sei coisas ao dia, ao momento. Consigo citar conversas tidas há anos e incluir descritivo da vestimenta dos interlocutores como extra.
Mas como é que foi que me fui esquecendo de mim?
Distraí-me com o facto de não ter distracção, pelos vistos.
Distraí-me.
Hmmmmm…

12 comentários:

Maria disse...

Linda.

Me disse...

Distraída, mas é! :/

Gata2000 disse...

Acontece mulher, mas sabes que mais, não é fantástico teres amigos que te querem levar para o caminho certo ?

O Tarado disse...

A vida não é apenas o destino, é também o caminho que tomamos, que se baseia nas escolhas que temos ao longo da nossa viagem.

Por vezes temos bons amigos que nos ajudam a escolher bem... é bom quando isso acontece. Mas, e porque a responsabilidade das opções que tomamos é sempre nossa, assim como as consequências, os verdadeiros amigos são aqueles que ficam connosco independentemente de tomarmos os caminhos que eles recomendam ou não.

Me disse...

Gata,
Claro que é. Claro que é bom ter gente que se preocupa o suficiente para nos dar na cabeça. Claro que sim
:)

Me disse...

Tarado,
Toda a razão.
Acho que de vez em quando nos esquecemos é de ser amigos de nós próprios...

O Tarado disse...

Faz o que eu digo... não faças o que eu faço... toma especial significado quando é em relação a nós próprios :)

Eu sou dos que pensa... faças o que fizeres... faz. Quando se faz temos duas possibilidades... ou é bom ou é mau. Quando não fazemos só temos uma possibilidade: ficamos sem saber.

Me disse...

Tarado,
Ser Juiz em causa própria é muito fácil... Eu sei.
É sempre mais fácil quando se fala para os outros. Não há envolvimento...
E mesmo que o assunto se esteja a desviar, achas que sermos amigos de nós próprios é nunca ficarmos sem saber? É isso que devemos a nós próprios? Bom ou mau mas saber?

Um gajo qualquer... disse...

Rapariga... sem palavras só mesmo a tua boca!!
Mais uma vez fico abananado com um texto teu!!

Wow...

;)

O Tarado disse...

"achas que sermos amigos de nós próprios é nunca ficarmos sem saber?" - No que dependa de nós? Em parte. Nao é só isso mas também, acho.

Me disse...

Um Gajo Qualquer,
Bolas, pá.
Atina lá que isso de andarmos abananados só cria é distracções... ;)
Obrigada por esse Wow!
:D

Me disse...

Tarado,
Sempre disse que eu, seja no que for, preciso e quero saber. Não saber dá cabo de mim.
Eu prefiro saber... mesmo que, de vez em quando, demore a dar o tal passo em direcção à sabedoria... Posso demorar, mas chego lá...
:)