24.1.11

O Medo do Medo.


imagem: google

Eu gosto de gente que tem Medo. Gosto.
Gosto de gente que se acagaça com cenas com ou sem jeito; que se melindra perante o grande ou o pequeno; que se encolhe perante o tudo ou o nada.
Gosto das pessoas que mudam de cor, que desatam a tremer, que ficam de boca seca e de olhos esbugalhados.
Gosto de quem não dorme à noite por ter um qualquer Medo às voltas na cabeça; gosto de quem não fala por o tal Medo lhe ter passado para a garganta, impossibilitando a produção de sons coerentes que, por sua vez, formam palavras.
Gosto muito de quem passa a vida a ver a vida passar ao lado, às tantas com Medo de algo que nem sabe bem o quê, apenas sabendo que o tem.
Adoro gente com Medo. Adoro as suas fugas para a frente, para trás, para os lados, para cima, para baixo… Adoro. Ver gente crescida num frenesim de correria maluca, fugindo de pessoas, de lugares, de palavras, de sentimentos. De tudo.
Adoro pessoas que de tanto Medo, até paralisam, incapazes de nada a não ser transformar a vida numa bela e sentida homenagem ao Medo e seus amigos.
Gosto dos e das nervosinhas que tremem o pé e roem as unhas, que esfregam um qualquer amuleto ou repetem uma qualquer reza antes de meterem pé fora da cama.
Gosto dos que têm tiques nos olhos e tremeliques nas mãos, erupções cutâneas espontâneas e suores frios.
Gosto de quem enruga a cara perante uma qualquer possibilidade, dúvida ou hipótese.
Adoro os que acham que é necessário ser-se dono de toda a verdade universal para se poder escolher a merda da cor das meias para o dia.
Adoro quem treme de antecipação sempre que tem de antecipar algo; adoro quem quase desmaia quando lhe dizem “Vem!”.
Adoro os que têm tanto Medo de tudo e todos que se tornam nuns profissionais do narcisismo e egoísmo, incapazes de olhar para os outros sem os achar tão grosseiramente inferiores, incapazes, indignos e infiéis que nem sequer merecem qualquer tipo de reconhecimento de existência.
Adoro, adoro, adoro os que dizem sempre que não, seja ou que for e apenas pelo sim, pelo não. Os que rejeitam tudo e todos devido ao Medo, à Insegurança, à Fraqueza tão profundas que em vez de se aproximarem para beber da força dos outros, afastam-se de modo a que não haja lembretes desses seus próprios Medos e Inseguranças e Fraquezas. Quanto mais longe melhor! Quanto menos virem quem não partilha de tais coisas, melhor! O horror que isso seria.
Ciclo vicioso de auto-destruição engraçada muito difícil de quebrar.
Mas eu gosto de gente assim. Especialmente dos que não têm a mais pequena pinga de razão ou racionalidade (sim, porque os há racionais) quanto aos seus Medos e Inseguranças e Fraquezas; dos que escolhem, conscientemente, ir pelo caminho do fechar os olhos, mãos, braços e coração a tudo e todos porque, para eles, é muito mais fácil viver assim, sem confrontos, sem animosidades, sem picos ou quedas de tensão… no essencial, sem nada que os faça recordar do Medo que sentem.
Gosto de gente assim. Adoro gente assim. Adoro.
Fazem-me sempre lembrar que, se ignoram os outros, não é porque não gostem deles ou não os queiram por perto. Não. É por esses tais outros representarem tudo quanto eles não conseguem ser, por os fazerem lembrar de tudo quanto não conseguem, não podem e não querem fazer ou ter. Não é inveja, entenda-se. Não. Acredito que chegue a ser doloroso ver quem anda pela vida “brincando”, parecendo quase inconsciente com os riscos que corre todos os dias e em relação a tudo.
Eu gosto de gente assim porque eu sei algo que eles não sabem.
Eu sei que há, de entre os tais outros, quem trema dos mesmos Medos e Inseguranças e Fraquezas mas que pura e simplesmente recuse uma espécie de derrota perante a Vida.
Gosto de gente assim porque, no fundo, e de certa forma, até têm mais coragem que os outros.
E é preciso Coragem, gente. Muita.
Virar costas a tudo e todos e passar a viver numa espécie de duelo interno permanente sabendo que há hipóteses de evitar tudo isso?
É preciso Coragem.
Gosto dos que têm Medo. São os que também têm Coragem.
Pena é tudo isso não lhes valer de rigorosamente nada a não ser para criar memórias amargas, dúvidas irracionais e impossíveis de resolver e questões inócuas de cujas respostas fogem sempre.
Gosto desta gente porque, ao menos, não atrapalham os que de tanta falta de Coragem para o isolamento e afundamento de alma, cagam de alto nos Medos e vivem sabendo que se não se acertar hoje, amanhã há sempre nova oportunidade. Que devagar, devagarinho, se vai ao longe.
Ao menos não atrapalham. E isso, apesar dos apesares, já não é mau.
Eu, por mim, gosto.

19 comentários:

K disse...

eu em parte sou assim. mas shiu, não digas a ninguém! ;D

Força Força Camarada Vasco disse...

Aquela gente que não é como eu....
Pois

É um auto-retrato....
Geralmente o que desprezamos nos outros
somos nós mesmos....
Adoro os que têm tanto Medo de tudo e todos que se tornam nuns profissionais do narcisismo e egoísmo, incapazes de olhar para os outros sem os achar tão grosseiramente inferiores, incapazes, indignos e infiéis que nem sequer merecem qualquer tipo de reconhecimento de existência

Força Força Camarada Vasco disse...

os párias da vida

é exterminá-los num é?

são coisas

eu existo eles não

Rapunzel disse...

Epa...a sério... Can you read my mind?

Me disse...

K,
Caladinha que nem um rato!

Me disse...

Max,
Antes de mais, welcome! Adelaide, huh? Melbourne's better... :P

Vamos lá ao que interessa.
Entendo que texto possa ser compreendido dessa forma, não fosse pelo seguinte: "Eu sei que há, de entre os tais outros, quem trema dos mesmos Medos e Inseguranças e Fraquezas mas que pura e simplesmente recuse uma espécie de derrota perante a Vida."

E há algo que eu penso que tenha ficado subentendido, mas talvez não na totalidade. Eu explico.
O que custa a quem não baixa os braços, mesmo sentindo os mesmos medos, é saber que não há nada a fazer para ajudar quem se gosta e esteja nestas condições. Nada. Sentir o desprezo de alguém pura e simplesmente por terem medo de viver e de nos olharem como sendo demasiado "fortes", logo, incapazes de os entender ou de os acompanhar(mesmo que os medos seja iguais), é horrível.
Por norma, por uma questão de equidade interna, essas pessoas, as tais cheias de medos e de coragens várias, tornam-se egoístas e narcisistas, olhando os outros como sendo "inferiores" por, ao que parece, serem uns inconscientes que têm a mania de saber o que querem, como querem, onde querem e quem querem. Nunca diraão que são melhores que eles por pegarem o touro pelos cornos, não. Diraão sempre, para não se sentirem ainda pior, que são precisamente o inverso e que eles é que sabem.
Eu existo, eles existem e podíamos existir todos em harmonia ("Os que rejeitam tudo e todos devido ao Medo, à Insegurança, à Fraqueza tão profundas que em vez de se aproximarem para beber da força dos outros, afastam-se de modo a que não hajam lembretes desses seus próprios Medos e Inseguranças e Fraquezas.")
Mas ainda há mais, e agora apenas para rematar: "Gosto desta gente porque, ao menos, não atrapalham os que de tanta falta de Coragem para o isolamento e afundamento de alma, cagam de alto nos Medos e vivem sabendo que se não se acertar hoje, amanhã há sempre nova oportunidade. Que devagar, devagarinho, se vai ao longe."

Agora, diz-me tu se o teu comentário continua a fazer sentido na óptica em que o escreveste.

Obrigada pela visita e comentários.

Me disse...

Rapunzel,
Se conseguisse fazer isso, seria uma mulher rica e não estaria, de certo, aqui!
:)

Maria disse...

Xiça Penico e tu continuas a dar choque, ou a tua escrita.

Nós não nascemos com medo, verdade? O medo adquire-se. Não é inato. Podes aprender a desaprender o medo, agora há os que como eu têm um medo desgraçado do medo que sentem e isso gera uma bipolaridade, que até é engraçada de observar (pelos de fora, para mim, muitas vezes, não tem piada nenhuma). E é ver a dança, descrita no teu texto, entre os que se isolam e até ficam snobs, evitando tudo e todos e os que se "espantam" com o aí vai ela, sem pestanejar, ai porra que bati na parede, caí no chão, que se lixe, que me levanto e sacudo e ala que se faz tarde.

Perdi-me. Volto aqui quando encontrar o fio à meada. :)

Obrigada por mais este momento de lucidez na tua escrita.

Me disse...

Maria,
Sim, o medo adquires e há muitos que são mais que "racionais" (como disse no texto). Esses, os que são directos e têm "objecto", são outra conversa.
Agora... os outros? Os medos que temos porque poderemos fracassar, magoar, desiludir...? Esses, TODOS, sem excepção, temos.
Apenas defendo mais aquela atitude de mãos nas ancas e de quase desafio (por muito que se trema por dentro e se deseje não estar ali) por oposição a um completo evitar de seja o que for. Não se ganha nada com isso.
E, sabes uma coisa? Quase nada, mas mesmo nada, é tão mau como parece. E para quem tem tendência a extrapolar e a exagerar tudo, pensando demais nas coisas e sofrendo por antecipação com tudo (sim... tipo eu...), só há uma coisa a fazer: perder o medo, seguir em frente e no dia seguinte, lamber as feridas e seguir para bingo.
Há que saber lidar com os medos. Todos os temos. Temos é de os saber viver como deve ser.

Tu não perdeste o fio à meada.
Não precisaste foi de dizer mais.
:)

Lucidez, dizes tu?
Ahhh, Mulher... you're too good.

Um gajo qualquer... disse...

Me,
A Rapunzel utilizou Sublime para adjectivar este texto... e assenta-lhe muitíssimo bem!
Adorei!! Mesmo que numa ou noutra passagem me encontre entre os que têm Medo...
Gostaria de publicar este texto no meu blog, com a devida referência ao seu autor (tu), mas para tal aguardo a tua autorização.

Me disse...

Um Gajo Qualquer,
Ahhhh... foda-se! :)
Queres publicar o texto? Publica homem, mas olha que eu depois não me responsabilizo pelos efeitos nefastos (bem... já tens "qualquer" no nick... menos mau...).
Seria um privilégio e honra. Muito obrigada por esse elogio.

Quanto aos medos... Não há mal nenhum em os termos!! Eles é que não nos podem ter a nós! Simples!

Obrigada novamente.
:)

Gata2000 disse...

Mulher, sempre ouvi dizer que quem tem cú tem medo...
Se não tivessemos todos medos, mas a coragem de os enfrentar, o mundo não avançava.

O Tarado disse...

Ser-se corajoso e não ter medo é morte certa.

A coragem faz-nos fazer coisas. O medo deixa-nos alerta e faz-nos prestar atenção no que estamos a fazer.

Ser apenas corajoso é suicida. Ser apenas medroso é castrador.

Eu tenho coragem de fazer um minete a qq uma mas tenho medo que não esteja bem lavadinha... ou cuidada.

Manias de um corajoso com medo. Muito medo. Mesmo mesmo muito medo. Mas mesm mesme mesmo corajoso. Mesmo.

I'M BACK MOTHER FUCKERS. Come and get me! But let me first load my weapon and aim please.

Me disse...

Gata,
Nem mais.
E foi o que disse no texto: mesmo todos nós tendo esses medos e medinhos, temos, de vez em quando e tal, esquecê-los, se não...
É isso.

Me disse...

Tarado,
Voltaste e em grande!
Já tinha saudades tuas, pá.
Não muitas e tal, mas já tinha.
:P

Alexandra disse...

Vim cá parar por ter lido o texto no blog da Rapunzel e queria só dar-lhe os parabéns, pois está muito bem escrito. Adorei. Embora me identifique com aqueles que tem medos.
Fantástico texto. :)

Me disse...

Olá, Alexandra,
Antes de mais, muito, muito obrigada pelo comentário. Mesmo
:)
´
Quanto aos medos, podes tê-los à vontade... Eles é que não te podem ter a ti!

Obrigada novamente pelo comentário e pela visita.

Anónimo disse...

Confesso que já sigo o teu blog à algum tempo e simplesmente adoro! E este texto em particular deu-me muito que pensar... apercebi-me que sou das que tenho Medos, Inseguranças e Fraquezas e muitas vezes são eles que me têm a mim :x

O teu blog é fantástico, Parabéns :)

Me disse...

Anónima,
Obrigada pelo comentário e pelos parabéns :)
Em relação ao resto... dá cabo deles e siga! :)))

Tankiú!