8.11.10

Não, obrigado.


imagem: google


Que já recusou sexo, na iminência do acto, por mulher presente não ter depilação feita, contou-me ele. Mais do que uma vez, acrescentou.
Que já houve quem fosse tratar do assunto logo ali, explicou-me, mas que nem todas o faziam ou estavam dispostas a isso.
Que detesta pêlos, justificou-me.
Que se ele próprio não os tem e assim se consegue manter, então que não há desculpa para quem quer estar com ele, disse-me.
Que se não gosta de pêlos, porque é que os haveria de gramar?, perguntou-me.
Que se não se cumprisse com os requisitos, ele recusava e pronto, afirmou.

Perguntei o que lhe costumavam dizer as mulheres que ele rejeitava, sem mais nem menos, logo ali, no quase acto. Respondeu que perguntavam se estava a falar a sério e que, obviamente, ele dizia sempre que sim e que não havia ninguém que lhe fizesse mudar de ideias, que pura e simplesmente não tinha de gramar o que não gosta e que a coisa acabava logo ali e pronto. Simples.

É justo, disse-lhe.
És um freak, mas, tudo bem, acrescentei.
És capaz de perder mais do que o que ganhas com esse tipo de atitude, mas tudo bem, avisei.
Recusou tal noção, vincando ainda mais a parte do “se não gosta, não tem de gramar”.
Curiosa, perguntei o que era, para ele, inadmissível nesse campo, ou seja, se admitia pêlos acabadinhos de nascer, por exemplo.
Torceu o nariz.
Torci o meu.
Nada mesmo sempre?, perguntei.
Sim, declarou.

O interlocutor da conversa tem 22 anos. É bonito. Tem estilo cuidado e pensado. Preza o seu aspecto e tem-no do bom. Usa cremes diferentes para o corpo, mãos e rosto. Vai ao ginásio todos os dias. Cheira sempre bem. Roupas combinam e tem calçado específico para certas peças. Gosta de se destacar dos demais. De vez em quando, usa suspensórios para o mostrar. Pulseiras grossas de cabedal com fatos. Que gosta de se adornar com um só pormenor que diz que há ali algo mais.
É extremamente inteligente. Muito bem-educado e orientado. Seguríssimo de si. Convicto para além de todo o tipo de provocação. Perfeccionista. Pouco tolerante para com a burrice e futilidade. Pouco tolerante ponto final. Despreza a falta de inteligência e de conversa. Brutalmente franco. Nunca pede nada a ninguém. Prefere dar a entender o que está disposto a dar. Quem não souber aproveitar, perde. Concentradíssimo. Focadíssimo. Imperturbável. Não acredita que cometa erros ou que falhe. Não acredita nisso, não o admite para si. Para e aos outros, sempre.

Por muito descontraída que tivesse sido a conversa, fiquei chocada com tais afirmações. O inexistente uso da palavra “prefiro”, em prol da palavra “requisitos”, deixou-me perplexa. A intolerância que demonstrou e, ainda por cima, em tão tenra idade, deixou-me sem nada para dizer.
Eu sou mais que a favor de as pessoas terem as suas convicções e princípios, de fazerem apenas aquilo em que acreditam, de apenas fazerem o que acham bom para si, de apenas serem o que realmente são, mas havia ali algo de quase sinistro naquela conversa. Algo que me calou e me impediu de prolongar a conversa explicando que, do meu ponto de vista, ele iria mudar de ideias em relação a uma data de coisas à medida que fosse ficando mais velho e a vida lhe fosse mostrando que estava redondamente enganado. Mas depois lembrei-me que estava perante alguém que recusa sexo, e repito, na iminência do acto, caso não houvesse depilação feita e tudo devidamente aparado. Não há razão que vença este tipo de lógica. Um homem daquela idade que recusa o que recusa sempre que o tiver de recusar independentemente das consequências, não possui disponibilidade mental para debater certas coisas, especialmente se essas coisas apenas apontarem na direcção de ele ser um perfeito freak em termos do pesar dos prós e contras de certas atitudes. E não estou a falar de sexo.
Aquele pequeno ditador, de riso meio nervoso e incapaz de aguentar um olhar ou silêncio que dure mais do que dois segundos sem perguntar “o quê?”, é, a meu ver, um menino inseguro e desesperado por se manter dentro de lote de regras e de certezas que tem a certeza funcionarem (porque já o leu ou já lhe disseram que é assim que é e mais nada), sem nunca arriscar sair da sua zona de conforto – doa a quem doer.
Fiquei com uma certa pena dele. Só me apeteceu foi agarrar nele e abraçá-lo como só alguém que sabe que vai haver muito sofrimento no futuro nos pode abraçar.
Mesmo admitindo que, de certa forma, ele só faz é bem, não consigo deixar de o ver como sendo alguém que, por muito bem e frequentemente acompanhado, sofre de uma solidão quase impossível de combater, seja a nível emocional, seja a nível intelectual.
Aquela conversa pôs-me a pensar no meu mal-estar de cada vez que me traía em prol do sorriso de alguém (dando-lhe razão) e em todas as vezes em que mostrei verdadeira gratidão por saber que o que tinha acabado de receber tinha sido difícil de dar (e tirando-a logo de seguida).
Eu acredito que possa haver quem viva bem com este tipo de postura, a postura do “sou quem sou e ninguém me tira do meu caminho porque eu é que sei e o resto não interessa”, mas não trocaria nunca certas viagens que fogem quase por completo para caminhos mais selvagens por todas as certezas e pseudo-certezas com que alguns vivem as suas vidas.
Inexplicavelmente, não me apeteceu dar-lhe o chá de quem tem mais dez anos de vida nas mãos (e isto apenas prova que estão mesmo cá e, de qualquer das formas, ser condescendente não é o meu forte…). Apenas me apeteceu abraçar aquele menino metido a homem até ele entender que, para quem tanto deseja seguir o seu caminho, há muito que descarrilou. E que isso não tem mal absolutamente nenhum. Nenhum. Que, aliás, apenas torna tudo muito mais interessante.
Ele vai descobrir, claro, mas penso que para alguém como ele, vai doer muito mais.
E é uma pena. Mesmo.

16 comentários:

Anónimo disse...

22 anos????
Outra vez!?!?!?!?!?

O que te está a acontecer...

Me disse...

Ando a provar que a minha teoria que diz que não há homens decentes nascidos antes de 1980 está certa.

Anónimo disse...

Duas questões, apenas, e uma observação:

1. - O gajo é de origem germânica?

2. - Tens a depilação feita?

Observação: um gajo nascido nos finais dos anos 50 não é decente e não te serve? Pronto, esta não é propriamente uma observação, é mais uma outra pergunta.

chOURIÇO

Me disse...

chÓRINHAS,

1. Não, mas olha que já que falas nisso... Tem cabelo invulgarmente mais claro que o normal... E é alto... muito alto... Será Nazi???

2. Wouldn't you like to know.

Observação: um gajo nascido nos finais dos anos 50 é mais que decente para ser meu Pai. Pronto, esta não era propriamente uma resposta, era mais um vai-ta lixar.

AR disse...

Há aqui uma hipótese a considerar: o puto até pode ter gajas bem depiladas a sobrar e, portanto, não está para se "arranhar".

A segunda hipótese parece-me bastante mais simples: cada maluco com a sua mania!

Me disse...

AR,
Pois... Ou não...
Concordo com a parte do maluco... freak mesmo.
Mas ele é jovem, há-de perceber que, de vez em quando, vai ter que dar a mão à palmatória se é que quer algo mais do que quecas... por muito depiladas que sejam.

(nem vejo isso como sendo o cerne da questão, mas pronto...)

Há-de ser daquele tipo de gajo do qual as mulheres se queixam... mas com razão! Se é que não é já...

Anónimo disse...

Epá, mas tens alaguma coisa contra mim só por ter nascido nos finais dos cinquenta, pá?

Humpf...

2. - Yes, I'd like to kmow.

chOURIÇO

Me disse...

chÓRINHAS, chÓRINHAS, Vóvó,

Tenho.

2. É justo. Gostarias de saber. Pronto.

mE

AR disse...

Olha, em relação á mão do puto, eu acho que ele vai ter é que lhe dar muito trabalhinho, sózinho em casa... (esquece lá a palmatória).

Quando a mão lhe começar a doer a sério, até gajas de pera e bigode ele vai querer "papar"!

Me disse...

AR,
Também acho que ele não deve ter assim tanta oferta que dê para se armar em ecléctico na procura...

Mas há que admirar o puto.
Na idade do "papa-tudo", ele recusa determinantemente e pronto.
Como ele diz: elas é que perdem.

(impressionante... eu sei, eu sei... e depois ainda dizem que eu é que tenho mau feitio! chiça!)

tcp disse...

Giro, giro, era esse puto, um dia/noite ter nas mãos uma gaja daquelas como ele gosta, sem pêlos e ela virar-se para ele e dizer;
- Desculpa mas eu gosto de gajos à antiga, com pêlos. Ficamos por aqui!

Maria disse...

Adoro ler o que escreves. Hoje apeteceu-me comentar,apenas para te dizer que entendo este sentimento tão bem:

Inexplicavelmente, não me apeteceu dar-lhe o chá de quem tem mais dez anos de vida nas mãos (...) Apenas me apeteceu abraçar aquele menino metido a homem até ele entender que, para quem tanto deseja seguir o seu caminho.

Obrigada pela tua escrita :))

Me disse...

tcp,
Pois... mas isso ele nunca contaria a ninguém... :)
Que era bem feita, era!

Me disse...

Maria,
Bolas, pá.
Bolas.
:)

Tankiú eu pela tua leitura!

O Tarado disse...

Eu não gosto de cotão no umbigo. Não gosto de cera nos ouvidos quando lá enfio a língua. Também não gosto de mulheres que usam boxers ou que mijam de pé. Mas a parte disso... :) a meia idade tem destas coisas. Ele que chegue cá... esta bela idade que para engatar tipas como ele engata agora só com muita sorte. :)

Os filtros que temos de selecção natural vão perdendo o refinamento e quando chegamos a uma certa idade acabamos por os deixar muitas vezes em casa :)

Me disse...

Isso quer dizer que, com a idade, adopta-se aquela máxima de o que vier à rede, é peixe? (ainda que haja uma certa selecção das peixitas, claro...)