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Quando era miúda, ouvia constantemente aquela frase que, penso, todos ouvíamos: “Quando fores grande, já podes.”
Ora, eu, que apenas fui “pequena” durante poucos anos, rapidamente passei a ser grande demais para que me pudessem dizer isso sem eu responder algo de ridiculamente textual logo a seguir. Do alto dos meus poucos anos mas respeitável tamanho comecei a ouvir “Quando fores adulta, já podes”.
Revoltada com aquela capacidade de argumentação de quem era adulto mas não maior que eu, lá me reduzi à minha insignificância e, naturalmente, esperei que acontecesse o que seria suposto acontecer para eu, um dia, poder receber título de Adulta. A maneira como me diziam aquilo levou-me a crer que iria haver, algures no tempo, uma espécie de prova que eu teria de superar para finalmente poder ingressar no mundo dos Adultos.
E eu lá esperei. E os anos foram passando. E eu esperava.
Esperava com aquela impaciência típica de quem não sabe pelo que espera, mas sempre de olho na “oposição”. Aprendi a observar aquele mundinho, a ouvi-lo, atenta a qualquer sinal que me garantisse que viria aí A Prova.
É claro que tal nunca chegou a acontecer assim da forma como eu pensava.
É claro que esta coisa de sermos adultos comporta muito mais que idade e tamanho. E é claro que, quando acontece, nem damos por ela. Nem mesmo com as listas mentais que se fazem de modo a que nos orientemos nessa direcção conseguimos perceber se estamos perto ou longe da coisa. Podemos ir riscando os itens a toda a velocidade sem que aquela sensação que tanto esperamos sentir nos chegue (mesmo que não façamos a mais pálida ideia de qual seja) e também podemos nem sequer chegar a pensar nisso e já aquele peso, aquela sensação de não mais sermos crianças, de repente, se abater sobre nós sem aviso prévio.
Se me acho adulta por ter a minha independência financeira que, por sua vez, me permite uma data de outras independências incluindo as de espaço e tempo? De certa forma, sim. Saber que não dependo de mais ninguém para fazer a minha vida permite-me ser mais selectiva em relação a quem dou ou deixo de dar explicações sobre as minhas coisas, opções, decisões e atitudes, por exemplo. A escolha, em relação a tudo, é sempre minha. Sempre. Para além disso, posso chegar a casa, tirar as botas, adormecer no sofá e saber que, mesmo que lá as deixe durante dois dias e não chegue nunca a dobrar a manta que lá tenho para as noites mais frias (ou acorde às 6 da manhã, toda gelada e a lamentar as várias dores que tenho no corpo devido a tal acto irreflectido), ninguém me vai dizer nada (é só vantagens). A liberdade que acumulamos com o passar dos anos é uma coisa fantástica.
Apesar de tudo isto, acho que me comecei a sentir Adulta no sentido mais lato do termo quando, provida de anos de ensinamento e de calo e experiências que me foram indicando o que dói e o que é doce, ou seja, de costas quentes em relação a mim própria, dei por mim a poder ficar completamente calada e imóvel, sem necessidade de provar seja o que for a seja quem for, a poder, sem medos, assumir para mim a totalidade das consequências dos meus actos, e a poder sentir a verdadeira força das intemporais e sábias palavras “Estou-me a cagar para esta merda – faço o que quiser”.
Velha só me comecei a sentir quando numa noite destas eu e amiga, da mesma idade, vimos exemplar da espécie masculina absolutamente deslumbrante e decidimos começar a tentar adivinhar idade do espécimen. Ela dizia aí uns 28-29 mas eu, pessimista até à última casa e fiel crente na teoria de que já não existem homens solteiros (decentes) nascidos na década de setenta, atirei com uns relutantes 24.
Sendo eu a Adulta crente naquela coisa do “Estou-me a cagar para esta merda – faço o que quiser”, peguei e fui perguntar.
Eu devia ter desconfiado da idade do moçoilo quando ele me perguntou “Que idade me dás?” em resposta à minha pergunta, eu lhe disse “Isso é resposta à gaja…” e ele nem sequer sorriu! Ele não percebeu!
Vinte e um.
O gaiato tinha vinte e um anos.
E agora, com licença que tenho de ir pagar umas contas e ver se a roupa que estendi já está seca e pronta a passar a ferro.
Já não tenho idade para isto.