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Há uns tempos, um conhecido meu enfiou-me um pedaço de papel na mão durante uma noite de copos. Um guardanapo escrito.
Minutos antes, outro conhecido meu, amigo do primeiro, tinha-me feito uma proposta para, digamos, aprofundarmos o nosso conhecimento mútuo visto o mesmo ser tão reduzido…
A minha resposta foi ficar de olhos esbugalhados e balbuciar qualquer coisa do tipo “Mas tu tens namorada! Eu conheço-a! Dou-me bem com ela!” ao que ele respondeu com um fantástico e seco “E?”. Aquele “E?” deixou-me sem resposta, sem chão e sem mais um pouco da minha fé. Virei costas e, rindo-me com aquele riso do tipo “Não acre-hahehahehaheha!!!-dito nesta me-hahehahehaheha-rdaaa!!”, ainda de olhos esbugalhados, fui-me embora enquanto pensava “exactamente… é exactamente por te estares a cagar, oh cabrao, que não vales nada e que não vais sacar nada de mim”.
Como eu lhe escapei, decidiu escrever o número de telefone num guardanapo e dar instruções para que o amigo mo desse após se ir embora. Bem mandado e bom amigo, fez exactamente o que lhe pediram.
Analisemos a questão, só porque sim e porque isto é algo que me tem andado aqui a martelar a cabeça (quer dizer, de vez em quando lembro-me, pronto).
Primeiro, o rapazito colocou o busílis da questão nas minhas mãos, entregando-me todo e qualquer poder naquela situação – ele não tem o meu número, eu passei a ter o dele. A haver contacto, por muito inocente, seria sempre por iniciativa minha. A acontecer alguma coisa, teria sido sempre por eu ter aceitado (e nunca por ele ter proposto – perguntar não ofende, né?). E, ainda por cima, a haver contacto da minha parte, seria sempre em resposta à proposta dele visto ele ter deixado perfeitamente claras as suas intenções.
Ou seja, no essencial, encostou-me à parede sendo que até mesmo um simples “Então, que é feito?” seria sempre interpretado como sendo o abrir de uma porta para algo mais. Eu não responder também não faz mossa – há-de haver quem responda. Um ego daqueles repõe-se facilmente.
Segundos, a frieza com que me atirou aquele “E?”.
O meu ar de espantada nunca me deixou de espantar. Ao que parece, percebi eu, sou mesmo uma romântica incurável que ainda acredita que o facto de se ter namorado ou namorada realmente significa que existe o tal regime de exclusividade em certos e determinados assuntos, incluindo, obviamente, o respeitante a quecas e afins. O que talvez ele não tenha percebido é que aquele “E?”, com sorriso incorporado, transmitiu a sua vontade de não ficar sem a actual namorada e que para ele, eu seria uma excelente bootie-call para quando a legítima estivesse com dores de cabeça. Incrivelmente, não e bem este tipo de lisonja que aprecio para a minha pessoa… Ser quecável, pasmem-se, é algo que não coloco no CV como sendo uma das minhas competências pessoais.
Para além disto, e mesmo dando o benefício da dúvida através daquela máxima do “quem não arrisca, não petisca” (viva a coragem!), aquela palavrita tão pequena revelou mais sobre ele do que uma semana inteirinha fechados num quarto a praticar a arte de “melhor conhecer alguém”.
Terceiros, o facto de ele ter pedido ao amigo para me dar o número de telefone, como se tudo aquilo fosse uma grande família feliz em que todos sabem tudo de todos e, ainda por cima, gostam. Duvido que o amigo ainda não lhe tenha perguntado se eu alguma vez cheguei a ligar… Imaginemos que eu o teria feito e que ele respondia afirmativamente. O outro, obviamente, iria inquirindo sobre os desenvolvimentos e, sendo eles gajos e, ainda por cima, grandes amigos, não haveria pudor em falar sobre o tamanho das minhas mamas, a intensidade dos meus gemidos ou a cor dos meus cortinados (e não, não peço desculpa por esta generalização – parem de me confirmar a veracidade da mesma e eu paro de generalizar).
4ºs, (HA!) A namorada – tecnicamente a que nada tem a ver com o assunto a partir do momento em que decido não me envolver, mesmo que tenha sido por respeito a ela enquanto pessoa e enquanto mulher que o tenha feito (entre outras coisas, como já disse). Durante dias, apeteceu-me ter uma conversinha com ela de modo a assegurar-lhe que nunca seria por mim que ela teria um novo e resplandecente par de cornos. Penso que ela, neste momento, não sente essa garantia da parte de ninguém e acho que seria positivo receber este tipo de garantia por parte de pelo menos uma pessoa, mesmo que não seja a que realmente interessa.
Sarcasmos e mau feito à parte, ainda me debrucei bastante sobre a possibilidade de falar com ela, mas, como seria de esperar, ganhou aquela outra máxima que diz “aquilo que não sabemos não nos faz mal e se por acaso alguém nos contar, linche-se o mensageiro”. Sei perfeitamente que seria eu a mal vista naquela questão, por isso, por uma questão de auto-preservação, deixei-me ficar caladinha e nada disse, limpa de consciência e sabendo que à minha porta ninguém virá bater. Cobardia? Se tentarmos virar a questão e colocarmos o problema em mim, sim. Mas não fui eu quem começou tal coisa. Eu, na verdade, podia até nem saber que ele tinha namorada… Neste caso, penso que agi bem. Lamento.
No dia seguinte ao acontecimento, e após ter sido alvo de uma data de olhares, falei com o rapazito dizendo-lhe que tinha recebido um presente. Ele sorriu e disse que sim, que tinha sido ele a engendrar aquilo tudo. E depois, chamou-me “fraquinha”.
Foi a cereja.
Eu, no meio daquilo tudo, fui a fraquinha. Eu é que tinha demonstrado fraqueza. Eu, ao não acatar os seus desejos, ao não ligar, ao não dar o meu número de telefone, é que fui fraca.
Ou seja, eu, ao portar-me bem e ao obrigá-lo a ele a portar-se bem (pelo menos comigo), é que saí mal deste quadro, é que fiquei “mal vista”, é que sou criticada porque, sejamos francos, homem que se entrega assim de bandeja não é coisa para recusar.
Sou só eu ou será que anda tudo tonto? Maluco da cabeça, engasgado dos miolos, passado dos cornos?
Se calhar sou mesmo só eu.