Há uns tempos, em conversa entre amigos, disse que ter dinheiro é motivo de vergonha em Portugal; vergonha ou motivo para o esconder do resto das pessoas. Não se pode ser rico em Portugal. Quer dizer, ou se é rico ao ponto de não o conseguir disfarçar ou então não se pode ter dinheiro “à vontade”, por assim dizer.
Uma pessoa é promovida, compra carro novo porque o que tinha antes já tinha 12 anos e peças a menos no motor, e o que se ouve logo é “Ena! A vida corre-te bem, huh? Carrinho novo e tal? Bolas! Que fizeste tu para o comprar?!”
Ou então, uma pessoa lá faz um sacrifíciozinho e decide comprar uns trapinhos novos porque há já 1 ano que não tinha condições para o fazer e ouve-se o seguinte, “Ena! Roupa nova! Então? Dinheiro a mais? Quanto foram essas calças??? Parecem caras!”. Responde-se “Ahhh… hehehehhe… coff, coff… nada disso! Fui ao mercado e encontrei-as! São giras, não é? Basta ter olho e andar atento!” quando na verdade as ditas custaram €120 e um pesado suspiro na altura da compra…
Ou então, compra-se casa. Regateia-se com o banco. Decide-se não sair para tomar café tantas vezes de forma a poupar dinheiro para se ter tecto sob o qual viver. Deixa-se de comprar calças a €120 e passa-se, de facto, a ir ao mercado para comprar a roupa. Ouve-se logo “Ena! Casa nova! Elas andam tão caras! Ganhaste o euromilhões, não?”
Isto tudo como se as pessoas tivessem alguma coisa a ver com a vida dos outros. Isto tudo como se tudo quanto se faz se tenha de justificar publicamente para que ninguém pense que se anda a trabalhar para se ter o que se tem. Isto tudo como se o vizinho ou vizinha do lado fosse grande autoridade moral para poder julgar as decisões que os outros tomam para as suas próprias vidas. Isto tudo como se tudo quanto se faz fosse para se provar ser melhor do que os outros, obrigando-os a retaliar com comentários e críticas maldosas em relação à “origem duvidosa” (só pode) da “fortuna”.
Depois também temos os casos das pessoas realmente ricas que andam de Saxo, por exemplo, e que são vistas como pilares da moralidade e bons costumes porque não mostram directamente o dinheiro que têm (têm vergonha). Podem andar com relógios de €1500 no pulso, camisas de €200 nas costas (pobre não sabe ver a diferença entre um pequeno crocodilo verde verdadeiro ou falso, por isso, assume logo que o mesmo é do mercado e pronto) e viver em apartamentos (e não vivendas… vivenda é demonstração de poder económico elevado, mesmo que custe o mesmo que certos apartamentos) de €250 000, mas como até vão tomar café à chafarica da esquina e se misturam com a plebe, só podem ser boas pessoas. Simples e boas.
Por mim, adoraria comprar casa nova, comprar carro novo, relógio novo, roupa nova, tudo novo. E quando alguém me mandasse uma boca foleira, o que iriam fazer mais tarde ou mais cedo, responderia apenas que a inveja é uma coisa muito feia e sacava logo de uma moedita de 50 cêntimos do bolso e acrescentaria: Tome lá este dinheirito para ir tomar ali um café na chafarica da esquina para poder ir já contar a toda a gente que eu o mandei à merda por se estar a meter onde não é chamado.
Quem me dera.
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