26.3.12

Montagens.

imagem: google 

No espaço de uma semana, recebi duas ordens de marcha da vida de duas pessoas que eram (e são) muito importantes para mim.
Um mandou-me à fava (quis dizer “merda” mas estava gente presente e a coisa podia soar mal) e outro esticou-me o dedo do meio e proferiu, em tom menos simpático, “monta-te aqui e dá aos pedais”.
Ora, eu, que sou sempre muito bem-mandada quando me convém, fiz-lhes a vontade (não literalmente, claro, ainda que ir de bicicleta buscar merda ou favas dê mais jeito do que ir a pé, especialmente se a bicicleta tiver cesto e buzina para afastar gente incauta do caminho de tal carga fedorenta) e fui. Longe de mim permanecer perto de quem tão veemente não me quer por lá. Gosto demasiado das duas pessoas para não lhes fazer a vontade...
E então, enquanto pensava na relevância de ambas as frases que me foram ditas, e tendo chegado à conclusão que ambas querem dizer exactamente o mesmo ainda que uma revele um pouco mais de maturidade e bom senso, pus-me a pensar para trás para ver o que era que eu tinha feito para merecer tais ordens de marcha tão requintadas.
Desenganem-se se acham que vou afirmar que nada fiz e que tudo aquilo não terá sido merecido. Fiz e foi. E mais! Até vos digo!
Em ambos os casos, os intervenientes fizeram algo menos correcto em termos de tratamento aqui da minha pessoa. Eu, filha de boa gente, senti-me e mostrei o que senti. Mas devo de o ter feito de forma demasiado boa porque, sem argumentos que pudessem reverter tanto o que foi feito, como o que mostrei ter sentido, as saídas optadas para ambas as situações foram as mesmas: eu que me fosse embora, que desaparecesse da vista, que me pirasse dali. Compreendo perfeitamente.
Eu, das vezes em que fiz merda a alguém, também não queria ter essa pessoa por perto. Lembrar-me do que tinha feito, vendo ali o resultado estampado num olhar magoado ou em palavras ressentidas? Caredo! Qual quê! E o peso na consciência que isso faz sentir? E o mal que nos faz sentir o estômago dar voltas de frustração por não conseguirmos que a pessoa nos perdoe ao mínimo eco da palavra “desculpa”? E a vontade que é pegar na pessoa pelos colarinhos para que acredite no nosso pedido de desculpas? E a dor que é ver que essa pessoa não começa logo a sorrir de seguida, esquecendo rapidamente o que terá acontecido e permitindo que a vidinha continuasse sem mais nem menos? E quando não se entende que a pessoa precisa de tempo para assimilar e recuperar fôlego (mesmo tendo aceite as desculpas que às vezes são mesmo só isso… desculpas) e partimos logo para a violência e ficamos zangados com essa pessoa, e viramos as coisas ao contrário e ainda temos o desplante de proclamar que até tínhamos pedido desculpa e tentado meter tudo ok mas que se a outra pessoa não aceita e não volta à vida normal no imediato, então que se foda, que vá á fava, que se monte no caralho e dê aos pedais?! Been there, done that, got the t-shirt. Sei como funciona.
Eu compreendo. Eu percebo. Eu sei o que fiz para ter recebido em troca o que recebi.
Mostrei-me magoada e zangada com o que duas pessoas me tinham feito, sem ter tido em consideração que há gente tão frágil, insegura e cobarde que não se pode dizer nada de nada – mesmo sendo nós os ofendidos – não vá a coisa piorar toda a situação só porque tivemos a audácia de nos magoarmos e nos zangarmos e, ainda por cima, mostrá-lo!
Curioso ambas as situações se terem passado com homens.
Curiosa esta minha capacidade de os fazer sentir assim, tão pequenos e indefesos que nem por perto me querem, mas tão fortes e espertos que se acham no direito de fazer merda enquanto lá estou. E sim, admito, este é problema meu, não deles. Devia ser menos eu. Talvez assim lhes resolvesse uma data de questões. 
Agora, e tendo por base o meu espírito apaziguador e tendência a cumprir com a vontade dos outros, um vai ter que vir à merda visitar-me se por acaso me quiser ver os dentes mais alguma vez e o outro vai ter que se montar no caralho e dar muito bem aos pedais se quiser saber como me tem corrido a viagem.
E ainda dizem que tenho mau feitio. Foda-se. Eu até faço as vontades à malta. Cambada de ingratos. Ehhh.

22.3.12

Repros.

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Repro – termo diminutivo para “reprogramação”, utilizado no mundo automóvel para designar qualquer reprogramação que se possa fazer à centralina de um bólide para lhe alterar comportamentos (qualquer coisa assim).

Recentemente, o meu Brutus foi submetido a uma repro.
O filtro de partículas pifou e a solução foi retirar o magano e reprogramar a centralina para não o reconhecer sequer, desligando-se os sensores que a alimentam com dados sobre o seu bom funcionamento ou não. Enquanto lá andavam a mexer no cérebro do Brutus, aproveitaram para lhe “dar” mais uns cavalos, tornando-o simultaneamente mais potente e mais poupado. Ele aguenta, asseguraram-me.
E eu passei uma semana a sorrir que nem uma maluca de cada vez que andava com ele nesta nova versão mais potente e forte. Sentir aquela força toda a transportar-me por curvas e rectas, ultrapassagens feitas sem o mínimo de esforço… Tive brinquedo novo durante uns tempos. E ainda por cima, com consumos muito mais poupadinhos. Ouro sobre azul (tirando ele agora deitar um cadito de fumo quando se reduzem as mudanças, mas nem com isso me importo. Dá um certo estilo “old school” que adoro…).
Tenho inveja do Brutus.
Com um cabo e umas linhas de script, mudaram-lhe o “pensamento”, fazendo-o crer que podia fazer mais com menos. E ele faz. Recebeu a ordem e faz. Já nem se lembra de como era antes, todo engasgado e frustrado por ter o físico em desalinho com o espírito. Já nem se lembra das conversas que tinha com ele, pedindo encarecidamente e fazendo festinhas no tabliê, para não me deixar a pé em sítios pouco adequados. Nunca o fez, é certo, mas eu tinha medo que pudesse chegar ao ponto em que o tivesse de fazer. Tratei logo de tratar dele para ele poder continuar a tratar de mim. E ele recebeu ferramentas extra para poder, daí em diante, fazer um trabalho ainda melhor.
Tenho inveja dele.
Não tenho inveja da parte da repro, mas sim da parte do antes e depois, da integração absoluta e imediata de uma nova realidade, sem mas, sem se’s, sem merdas, sem medos.
Quando somos confrontados com novas realidades que temos de integrar, por norma a primeira reacção e fugir, dizer que não, contestar e evitar que a mudança se dê. Mas aí, nesse ponto, já é demasiado tarde. Ou nos encavalitamos na onda, deixando que ela nos leve até à segurança da praia, ou nos negamos a ela, ficando em alto mar à espera que algo ou alguém nos apanhe e salve de nos podermos afogar.
Eu sei nadar. Até sei apanhar uma onda sem prancha (muito joelho e cotovelo esfolados…). E eu até sou do tipo que mandaria embora quem pudesse aparecer para me salvar. Mas preciso saber onde fica a praia. Nunca viro as costas ao mar. Respeito-o em demasia. Basta-me saber onde fica a praia, o porto seguro.
Mas nem tudo é o meu Brutus. Com ele, sei onde fica a praia. Sei até onde e como posso ir. Se dantes confiava nele, agora então, com estras mostras, mais confio ainda.
Tenho inveja dele.
E gostava de saber fazer repros. Tanto em mim, como nos outros. Nem que fosse apenas para desviar olhares perdidos no nada na direcção da praia. Nem que fosse apenas para mostrar que há sempre um porto seguro algures, apenas temos de saber procurar e ir até lá, sem medos e sem merdas, admitindo que temos mesmo de descansar e recuperar energias e que não há mal nenhum nisso.
Mas chega de projecções…
Haja bons mecânicos e mar pronto a nos acolher sem nos perdermos nele. E consciência de até onde podemos ir antes de precisarmos de mecânico ou salva-vidas para nos tirarem da embrulhada que criámos por e para nós.
O Brutus nunca me falhou. Mesmo incapacitado, nunca me falhou. Nunca tirou os olhos da praia. Nunca.
Só espero conseguir ser assim também. Por mim e para os outros. 

13.3.12

Não, porque sim.

imagem: google

Acho que à medida que vou passando pelo tempo e o tempo vai passando por mim, ganho cada vez mais certezas em relação a quem não sou, o que não faço, o que não quero, o que não digo… Ganho cada vez mais certezas dos meus nãos.
O caminho vai-se estreitando, facilitando. Os passos dados são-no com outro tipo de confiança. Não se cede tão facilmente a dúvidas, a questões existenciais, a tormentos fantasmagóricos provocados pelos se’s. Caminha-se com o olhar ligeiramente mais adiante, sem necessidade de se ir olhando constantemente para o chão à procura das ratoeiras que nos obrigam a descobrir mais aquele bocado de nós. Perdemos esse medo. Venha. Eu aguento-me a mim.
Às tantas, não temos outra hipótese se não a de admitir que nos conhecemos, que nos sabemos e que, por muito que se resista ao mau e se eleve o bom, não há nada a fazer a não ser sermos quem sabemos ser, por muito que nos custe aceitar tal destino, ou não.
Os meus nãos, sinto-o, são cada vez mais fortes, mais convictos, menos tolerantes a tentativas de desencaminhamento por parte dos se's que vão aparecendo.
A única tentação que de vez em quando me vai tentando o juízo é a de argumentar certos nãos com um enorme, redondo e incontornável “porque sim”. Mas não posso. Não devo. Puxar dos galões que se conseguem por via de se ter aprendido alguma coisa enquanto o tempo passa por nós e nós por ele seria de certa forma injusto. O tempo ainda não acabou o trabalho dele junto de mim e eu, junto dele, muito menos. Tenho demasiada fé nele, nos seus ajudantes e em mim para me ir condecorando com estrelinhas de bom comportamento sem mais nem menos. O amanhã traz demasiadas hipóteses. Há sempre mais um não a ponderar.
Apesar dos apesares, gosto desta sensação de ir criando calo. Consigo sentir-lhe os contornos. Sei onde fica e onde vai crescer. Não me vai incomodar. Se irá ou não incomodar os outros, só dependerá de mim. A condescendência e paternalismo causam-me espécie.
Houve tempos em que achava que dizer não a algo era o mais difícil que se podia fazer. Mas não, não é assim. O sim é que é difícil, daí ter que ser tão bem escolhido. Hoje, sei que sim, que assim é. E será. Cada vez mais. Não, é?