26.12.11

Prédio Geral das Coisas

imagem: google

Não sei porquê, mas consigo criar uma espécie de representação visual das relações que tenho com as pessoas na minha vida. Há quem ocupe o equivalente à “Penthouse” e depois há quem, no oposto, ocupe um cantinho escuro e sombrio da cave.
Tudo isto se materializa na minha mente como se fosse um desenho – lá está um prédio enorme, com varandas e chaminés, cheio de andares, todos eles prontos a receberem inquilinos. E depois, no centro, como se fosse tapete de distribuição, há as escadas. Sobem-se ou descem-se consoante o andar que se ocupa no Prédio Geral das Coisas. Há quem entre logo para um dos andares de topo e por lá fique; há quem comece no rés-do-chão e vá caminhando para cima. E depois há quem entre a meio e, assim logo de seguida como se as escadas tivessem sido deixadas molhadas e cheias de detergente pela senhora das limpezas, mande valente trambolhão até ao fundo, sendo cuspido porta fora sem direito sequer a visitinha à cave.
Há uma hierarquia que, se quiserem, simboliza aquela máxima do “não se chegar aos calcanhares” de alguém. Há uma espécie de localização espacial que coloca algumas pessoas acima de outras, outras abaixo e outras ainda, mesmo ao lado, partilhando o mesmo patamar.
De vez em quando, há as festas em que todos convivem alegremente e, de vez em quando também, há as acções de despejo em que todos vêm à janela ou à porta ver quem é arrancado do andar onde mora para ir ocupar novo lar acima ou abaixo do anterior. Vira na volta, também há as brigas entre inquilinos porque um sacudiu o tapete para cima da roupa lavada e estendida ou porque outro deu jantarada até às tantas e não deixou ninguém dormir. Mesmo assim, gosto de pensar que o Prédio Geral das Coisas é lugar onde se pode ir pedir um copo de açúcar emprestado à vizinha de cima e onde os vizinhos de baixo não se importam de pagar a parte deles para a manutenção das escadas, mesmo que não as usem frequentemente. É uma animação e, no geral, um sítio alegre e bem-disposto para se “viver”.
Depois, no meio disto tudo, há os que insistem em tocar às campainhas para ver se entram e os que de vez em quando vão passando cada vez mais despercebidos, como se tivessem emigrado para longe. Aos últimos, convoca-se reunião de condóminos para ver o que se passa; aos primeiros, avisa-se a populaça de que a porta do Prédio Geral das Coisas deverá estar sempre devidamente fechada e trancada para que não haja surpresas desagradáveis.
Cada vez mais vejo as coisas assim: um andar de topo com vistas maravilhosas com Penthouses fantásticas onde os inquilinos dão valor ao que têm e não andam a fazer furos nas paredes a torto e direito; os andares logo a seguir ocupados, mas não na totalidade, com gente boa e de confiança que paga as contas a tempo e não reclama do que não lhe diz respeito; os do meio cheios e contentes, onde há as maiores alegrias mas também de onde podem vir as maiores desilusões; e os de baixo, também com falhas de ocupação mas sempre de sorriso pronto; e a cave, cheia de caixas identificadas com nomes e datas, bem fechadas e arrumadinhas para não estorvar, deixadas para a fase de esquecimento ou limpezas gerais que há-de vir (vem sempre).
Dizem que tudo o que nasce tem de ter boas fundações, bom sustento, pilares fortes e robustos que sejam inquebráveis e que aguentem o que lhes é posto em cima. 
No caso do Grande Prédio das Coisas, é também assim que acontece. O entulho, forte e difícil de destruir, bem arrumadinho na cave e abaixo dela, permite que o resto da estrutura não desmorone, não caia, e que se aguente melhor o peso das festas e bailaricos que se vão fazendo pelos andares fora.
E é o processo de encher as fundações, as bases, o que fica abaixo da superfície e não se vê, escolhendo-se criteriosamente o que lá deve estar ou não, que vai permitindo a construção mais ágil e certeira de tudo quanto daí cresça rumo ao céu.
E é assim que vejo. É assim que sinto o meu mundinho.
E vocês? Onde moram a maior parte do tempo? Onde há sol e ar puro? Dentro de caixas fechadas e seladas? Ou aos trambolhões, entrando e saindo de outros Prédios Gerais das Coisas como se nada fosse e nunca conseguindo arranjar lugar certo?
Onde moram?

12 comentários:

Ana disse...

Muito bom este teu post, Me!
Gostei imenso.

Me disse...

Obrigada, Ana.
:)

AR disse...

Nos dias que correm, não me parece aliciante viver num "prédio" com tantos andares e sem elevador...

Me disse...

AR,
Não há Penthouses no rés-do-chão...

AR disse...

Mas também não há penthouses sem elevador...

Gata2000 disse...

Adorei.
O meu mundo não seria o mesmo sem os meus amigos, sem a minha gente, mas nunca tinha pensado neles como um prédio, embora a estratificação me seja intrinseca, gosto da forma como os arrumaste, embora os meus me morem no coração.

Feliz Ano.

Miau

Me disse...

AR,
Quem sobe por gosto, não cansa...

Me disse...

Gata,
Também é no meu que os meus moram. Mas eu lá sou gaja de dizer esse tipo de lamechice por aqui... ;)
Feliz Ano para ti!

Anónimo disse...

Bom ano para ti, gaja.

Me disse...

Bom ano para ti, gajo.

AR disse...

Me,
Quando se lhe toma o gosto, qualquer r/c rasca nos parece a melhor das penthouses...

Um ano sem canseiras, é o qu'este amigo te deseja, ma memo com muita força, tás a ver?

E toma lá um beijo do tamanho do teu "prédio" para te entreteres até te ver outra vez - espero que seja já p'ró ano...! ;).

Me disse...

AR,
Venha daí a força, então. Bem que vai fazer falta.
Agradeço e retribuo beijo, tanto em tamanho como nessa coisa do entreter!
See you soon!