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Eu gosto de gente que tem Medo. Gosto.
Gosto de gente que se acagaça com cenas com ou sem jeito; que se melindra perante o grande ou o pequeno; que se encolhe perante o tudo ou o nada.
Gosto das pessoas que mudam de cor, que desatam a tremer, que ficam de boca seca e de olhos esbugalhados.
Gosto de quem não dorme à noite por ter um qualquer Medo às voltas na cabeça; gosto de quem não fala por o tal Medo lhe ter passado para a garganta, impossibilitando a produção de sons coerentes que, por sua vez, formam palavras.
Gosto muito de quem passa a vida a ver a vida passar ao lado, às tantas com Medo de algo que nem sabe bem o quê, apenas sabendo que o tem.
Adoro gente com Medo. Adoro as suas fugas para a frente, para trás, para os lados, para cima, para baixo… Adoro. Ver gente crescida num frenesim de correria maluca, fugindo de pessoas, de lugares, de palavras, de sentimentos. De tudo.
Adoro pessoas que de tanto Medo, até paralisam, incapazes de nada a não ser transformar a vida numa bela e sentida homenagem ao Medo e seus amigos.
Gosto dos e das nervosinhas que tremem o pé e roem as unhas, que esfregam um qualquer amuleto ou repetem uma qualquer reza antes de meterem pé fora da cama.
Gosto dos que têm tiques nos olhos e tremeliques nas mãos, erupções cutâneas espontâneas e suores frios.
Gosto de quem enruga a cara perante uma qualquer possibilidade, dúvida ou hipótese.
Adoro os que acham que é necessário ser-se dono de toda a verdade universal para se poder escolher a merda da cor das meias para o dia.
Adoro quem treme de antecipação sempre que tem de antecipar algo; adoro quem quase desmaia quando lhe dizem “Vem!”.
Adoro os que têm tanto Medo de tudo e todos que se tornam nuns profissionais do narcisismo e egoísmo, incapazes de olhar para os outros sem os achar tão grosseiramente inferiores, incapazes, indignos e infiéis que nem sequer merecem qualquer tipo de reconhecimento de existência.
Adoro, adoro, adoro os que dizem sempre que não, seja ou que for e apenas pelo sim, pelo não. Os que rejeitam tudo e todos devido ao Medo, à Insegurança, à Fraqueza tão profundas que em vez de se aproximarem para beber da força dos outros, afastam-se de modo a que não haja lembretes desses seus próprios Medos e Inseguranças e Fraquezas. Quanto mais longe melhor! Quanto menos virem quem não partilha de tais coisas, melhor! O horror que isso seria.
Ciclo vicioso de auto-destruição engraçada muito difícil de quebrar.
Mas eu gosto de gente assim. Especialmente dos que não têm a mais pequena pinga de razão ou racionalidade (sim, porque os há racionais) quanto aos seus Medos e Inseguranças e Fraquezas; dos que escolhem, conscientemente, ir pelo caminho do fechar os olhos, mãos, braços e coração a tudo e todos porque, para eles, é muito mais fácil viver assim, sem confrontos, sem animosidades, sem picos ou quedas de tensão… no essencial, sem nada que os faça recordar do Medo que sentem.
Gosto de gente assim. Adoro gente assim. Adoro.
Fazem-me sempre lembrar que, se ignoram os outros, não é porque não gostem deles ou não os queiram por perto. Não. É por esses tais outros representarem tudo quanto eles não conseguem ser, por os fazerem lembrar de tudo quanto não conseguem, não podem e não querem fazer ou ter. Não é inveja, entenda-se. Não. Acredito que chegue a ser doloroso ver quem anda pela vida “brincando”, parecendo quase inconsciente com os riscos que corre todos os dias e em relação a tudo.
Eu gosto de gente assim porque eu sei algo que eles não sabem.
Eu sei que há, de entre os tais outros, quem trema dos mesmos Medos e Inseguranças e Fraquezas mas que pura e simplesmente recuse uma espécie de derrota perante a Vida.
Gosto de gente assim porque, no fundo, e de certa forma, até têm mais coragem que os outros.
E é preciso Coragem, gente. Muita.
Virar costas a tudo e todos e passar a viver numa espécie de duelo interno permanente sabendo que há hipóteses de evitar tudo isso?
É preciso Coragem.
Gosto dos que têm Medo. São os que também têm Coragem.
Pena é tudo isso não lhes valer de rigorosamente nada a não ser para criar memórias amargas, dúvidas irracionais e impossíveis de resolver e questões inócuas de cujas respostas fogem sempre.
Gosto desta gente porque, ao menos, não atrapalham os que de tanta falta de Coragem para o isolamento e afundamento de alma, cagam de alto nos Medos e vivem sabendo que se não se acertar hoje, amanhã há sempre nova oportunidade. Que devagar, devagarinho, se vai ao longe.
Ao menos não atrapalham. E isso, apesar dos apesares, já não é mau.
Eu, por mim, gosto.