Antes de ser Portuguesa, sou Ribatejana.
O Ribatejo, terra de gentes rudes e abrutalhadas, vive e respira de uma forma diferente do resto do país. Por aqui, as coisas são mais terra-a-terra, mais firmes de intenção e de convicção. Não é terra de hesitações ou de dúvidas – não há espaço para isso. Terra maioritariamente agrícola que sempre sobreviveu à mercê da natureza e de suas vontades, é também uma terra que produziu uma estirpe de gente que, e aqui à boa maneira portuguesa, consegue virar costas e mantê-las viradas a tudo quanto no seu entender não lhe seja benéfico, positivo ou promissor. Só na cara da verdadeira adversidade se faz peito e se enfrentam os perigos de caras. De resto? Se não nos vai matar, deixe-se estar que há mais coisas a atender, a ver, a fazer, a ser e a ter. Não há, por aqui, lugar a dúvidas existenciais – ou se bem que é, ou então que fosse porque, de momento, já foi. Forma simples de ver a vida e de a viver, tal como a natureza e os comandos que vai ditando para os ritmos e danças das vidas de todos quanto se intitulam de Ribatejano e Ribatejana e que vivem desta terra e de tudo quanto ela, com o devido esforço, vai proporcionando.
O Ribatejo, terra à mercê desta eterna Rainha-mãe, tem também os seus Reis e Príncipes que, com vontade e temperamento, vão ditando os compassos e a intensidade com que a vida por aqui se sente e se vai bailando. Terra de gentes rudes e abrutalhadas, os nossos Reis e Príncipes espelham a alma de quem, não enfrentando nada de ânimo leve, prefere o terror e cicatrizes de uma batalha bem aguerrida às palmadinhas nas costas e apertos de mão de uma briga atrapalhada. Gentes de poucas palavras, é na coragem de enfrentar cada novo dia de cabeça bem erguida que reside tudo quanto alguma vez possam dizer ao mundo: Estou aqui para o que der e vier, não fujo, enfrento o que tiver de enfrentar, mas não me pisem os calos nem me encostem à parede que o meu mundo é vasto e amplo, arejado, sem restrições e em nada estou habituado a que me enfiem num canto e me mandem calar.
O Ribatejo, terra tão difícil de identificar e de demarcar na mente de quem não é de cá, tem algo que o identifica e que, simultaneamente, identifica para todos o país que o circunda.
Não se faz, por cá, alarido disso. Não é bandeira ou mascote que se pavoneie aos ventos. É quase como que segredo bem guardado e apenas dado a ser vivido aos poucos que entendem, visceralmente, a diferença entre se estar no Ribatejo e o ser-se Ribatejo em forma de gente.
O Ribatejo, assim sendo, vive, cresce e é festejado dentro de cada um de nós. Por este prisma, poder-se-ia afirmar que o Ribatejo ultrapassa as suas geografias de rios e planícies, existindo um pouco dentro de todos quanto sentem que há algo que lhes faz brilhar o olhar e bater mais forte o coração de cada vez que Rainhas, Reis e Príncipes são homenageados e venerados através das mais variadas manifestações de respeito e adoração.
O Ribatejo, terra de gentes rudes e abrutalhadas, que, por sorte ou infortúnio, mostra o que lhes tormenta a alma e lhes tolda o pensamento de forma objectiva, clara e concisa. Quando não se gosta, detesta-se. Mas se se gosta… ama-se. Terra do oitenta que não reconhece o oito como sendo possível, é nos limites da emoção e da força e resistência dos corpos que a transportam que os dias vão sendo inspirados e expirados com aquele doce cheiro do que é ser-se livre num espaço onde os limites são ditados apenas por a quantidade e qualidade de dor e prazer que cada um suporta ou se atreve a suportar.
Antes de ser Portuguesa, sou Ribatejana. Sei que o meu Ribatejo nasce e vive todos os dias em mais corpos que, mesmo não respirando os seus ares todos os dias, são imunes a que haja quem se atreva a imaginar sequer poder subtrair-lhes o direito de se sentirem como fazendo parte de algo que transcende o local onde se vive, onde se mora ou onde se nasceu.
Sei que o meu, nosso Ribatejo se espalha por este Portugal fora, atingindo mentes e corações que se elevam e que se regozijam de puro deleite perante tudo quanto melhor possa celebrar aquilo que tão bem tem identificado e permitido viver esta porção de terra bem no coração de Portugal.
O nosso Ribatejo, possui o dever de assim continuar vivo nos olhares de todos que por cá passam e que possuem a grandeza de espírito de levar com eles aquele brilho inconfundível de quem, num só momento, testemunha a razão de ser de centenas de anos de vidas por cá vividas e perdidas.
O nosso Ribatejo, meu e teu, tem a obrigação de, também desta vez, não se resguardar ou virar a cara ao que sabe poder fazer-lhe sofrer para que, por mais umas boas centenas de anos, possa continuar com a vida que lhe foi arduamente criada e construída, conquistada e batalhada por todos quanto vieram antes e que farão para sempre parte do agora e do amanhã desta terra de gentes rudes e abrutalhadas que, por sorte ou infortúnio, possuem esta estranha forma de vida, de ser.
Antes de ser Portuguesa, sou Ribatejo.