imagem: google
Tudo isto se materializa na minha mente como se fosse um
desenho – lá está um prédio enorme, com varandas e chaminés, cheio de andares,
todos eles prontos a receberem inquilinos. E depois, no centro, como se fosse tapete
de distribuição, há as escadas. Sobem-se ou descem-se consoante o andar que se
ocupa no Prédio Geral das Coisas. Há quem entre logo para um dos andares de
topo e por lá fique; há quem comece no rés-do-chão e vá caminhando para cima. E
depois há quem entre a meio e, assim logo de seguida como se as escadas
tivessem sido deixadas molhadas e cheias de detergente pela senhora das
limpezas, mande valente trambolhão até ao fundo, sendo cuspido porta fora sem
direito sequer a visitinha à cave.
Há uma hierarquia que, se quiserem, simboliza aquela
máxima do “não se chegar aos calcanhares” de alguém. Há uma espécie de
localização espacial que coloca algumas pessoas acima de outras, outras abaixo
e outras ainda, mesmo ao lado, partilhando o mesmo patamar.
De vez em quando, há as festas em que todos convivem
alegremente e, de vez em quando também, há as acções de despejo em que todos
vêm à janela ou à porta ver quem é arrancado do andar onde mora para ir ocupar
novo lar acima ou abaixo do anterior. Vira na volta, também há as brigas entre
inquilinos porque um sacudiu o tapete para cima da roupa lavada e estendida ou
porque outro deu jantarada até às tantas e não deixou ninguém dormir. Mesmo
assim, gosto de pensar que o Prédio Geral das Coisas é lugar onde se pode ir
pedir um copo de açúcar emprestado à vizinha de cima e onde os vizinhos de
baixo não se importam de pagar a parte deles para a manutenção das escadas,
mesmo que não as usem frequentemente. É uma animação e, no geral, um sítio
alegre e bem-disposto para se “viver”.
Depois, no meio disto tudo, há os que insistem em tocar
às campainhas para ver se entram e os que de vez em quando vão passando cada
vez mais despercebidos, como se tivessem emigrado para longe. Aos últimos,
convoca-se reunião de condóminos para ver o que se passa; aos primeiros,
avisa-se a populaça de que a porta do Prédio Geral das Coisas deverá estar
sempre devidamente fechada e trancada para que não haja surpresas
desagradáveis.
Cada vez mais vejo as coisas assim: um andar de topo com
vistas maravilhosas com Penthouses fantásticas onde os inquilinos dão valor ao
que têm e não andam a fazer furos nas paredes a torto e direito; os andares
logo a seguir ocupados, mas não na totalidade, com gente boa e de confiança que
paga as contas a tempo e não reclama do que não lhe diz respeito; os do meio
cheios e contentes, onde há as maiores alegrias mas também de onde podem vir as
maiores desilusões; e os de baixo, também com falhas de ocupação mas sempre de
sorriso pronto; e a cave, cheia de caixas identificadas com nomes e datas, bem
fechadas e arrumadinhas para não estorvar, deixadas para a fase de esquecimento
ou limpezas gerais que há-de vir (vem sempre).
Dizem que tudo o que nasce tem de ter boas fundações, bom
sustento, pilares fortes e robustos que sejam inquebráveis e que aguentem o que lhes
é posto em cima.
No caso do Grande Prédio das Coisas, é também assim que acontece. O entulho, forte e difícil de destruir, bem arrumadinho na cave e abaixo dela, permite que o resto da estrutura não desmorone, não caia, e que se aguente melhor o peso das festas e bailaricos que se vão fazendo pelos andares fora.
No caso do Grande Prédio das Coisas, é também assim que acontece. O entulho, forte e difícil de destruir, bem arrumadinho na cave e abaixo dela, permite que o resto da estrutura não desmorone, não caia, e que se aguente melhor o peso das festas e bailaricos que se vão fazendo pelos andares fora.
E é o processo de encher as fundações, as bases, o que
fica abaixo da superfície e não se vê, escolhendo-se criteriosamente o que lá
deve estar ou não, que vai permitindo a construção mais ágil e certeira de tudo
quanto daí cresça rumo ao céu.
E é assim que vejo. É assim que sinto o meu mundinho.
E vocês? Onde moram a maior parte do tempo? Onde há sol e
ar puro? Dentro de caixas fechadas e seladas? Ou aos trambolhões, entrando e
saindo de outros Prédios Gerais das Coisas como se nada fosse e nunca
conseguindo arranjar lugar certo?
Onde moram?